sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Feliz Aniversário

Hoje, dia 23 de dezembro, dia em que ele completaria 91anos de vida, se esta não lhe tivesse sido tirada há 28 anos atrás. Faleceu aos 63 anos, deixou seis filhos, uma mulher, amigos, netos e muitas estórias.
Passou pela vida sem deixar rastros outros, que não estes, seis filhos, dois netos, uma esposa.
Caso tivesse vivo hoje, aos 91 anos, o que estaria acontecendo? Como seria a vida dele e da sua esposa, hoje viva, e com 83 anos? Ela que na realidade não vive, vegeta sobre uma cadeira de rodas, passando os dias diante de uma televisão ligada, cujas imagens lhe chegam distorcidas, não só pela sua débil visão, como pelo próprio aparelho, dentro do um quarto em um apartamento, que nem sequer lhe dá a chance de ver a rua.
Estaria ele lúcido? Estaria ele andando? Como estaria falando? Será que se lembraria de todos? Dos seus filhos? Reconheceria os netos? Enfim, o que aconteceria se ele estivesse vivo? Como teriam sido estes 28 anos de ausência.
Bom, uma coisa de certeza de teria acontecido: Muitas brigas teriam ocorrido: uma de suas filhas e ele eram mestres nisso. De nada adiantaria os 50 e tantos anos dela, nem a posição que ocupava, nada; entre eles seriam, apenas, pai e filha, desconhecidos um do outro, mas com uma grande certeza, de que eram mesmo, geneticamente, pai e filha; em muitas coisas bem parecidos, na ranhetice, na irreverência, na grosseria, até na frieza em lhe dar com os mais queridos e as brigas, pois, aconteceriam por todos os motivos.
Era hiper orgulhoso, não gostava de pedir nada a ninguém, e nem de depender de ninguém, embora toda a sua vida tenha sido uma dependência só; dependeu de sua esposa durante todo o tempo de sua vida, seja na saúde, seja nos últimos dias da sua vida, quando a vida se afastando tentou lhe mostrar o quanto aquele orgulho todo de nada adiantou. Sua esposa lhe segurou e lhe ajudou em todos os momentos da sua vida; seja nos das decisões erradas, nos das cachaças mal tomadas, nos das fraquezas. O homem bonito que ela conhecera na juventude lhe deu 7 filhos, seis deles chegaram à idade adulta; se lhe deu muito prazer, afinal de contas, ainda que só tenham tido 7 filhos, tiveram muito prazer, pois os seus filhos acostumaram-se aos sons do “amor” nas casas de parede meia em que viviam e quase conviviam com o amor físico de seus pais. Sim, porque eles conviveram com o amor físico, porque com amor espiritual pouco aprenderam com eles, mas, também, por outro lado, lhes fez sofrerem bastante.
Ele era “ibérico”, e se os de lá tinham fama de bons “amantes”´, o mesmo não acontecia com o amor sentimento: pelo menos, no caso deste, foi o que conseguiu demonstrar para os seus filhos.  Não guarda lembrança de ter recebido um afago, um carinho, um gesto sequer que demonstrasse amor de pai, também não o percebeu, em nenhum momento,  em relação aos seus irmãos.  A mãe, por seu lado, tinha a vida muito dura, tinha muitas coisas a fazer, muitas bocas a ajudar, ou então, em alguns momentos, alimentar. Ficou dura também; a convivência, talvez, tenha ajudado bastante neste particular, assimilou a pior faceta do “ibérico” que encontrou.
Enfim, ficaram, ela e os seus irmãos, pessoas pouco, ou quase nada, amorosas. Têm muita dificuldade de demonstrar amor, e nem mesmo a velhice batendo insistentemente à porta, fez com que mudanças acontecessem. São distantes: se choram, choram sozinhos e calados; se clamam, o fazem em surdina.  Vibram com as vitórias uns dos outros, tentam se ajudar quando podem, mas carinho, amor, afeto, isto eles não conseguem dar, porque não receberam, não sabem o que é isto é não se pode dar o que nunca se recebeu.
São lutadores, isto são: o que não teve estrutura para lutar sucumbiu diante de todos. Teve coragem sim para o gesto final, deixando no coração de todos uma grande marca negra, que nunca será apagada. Também este herdou um orgulho inútil, que se não foi demonstrado nos atos praticados, que não dariam motivos a qualquer tipo de orgulho, ficou evidenciado nas omissões, no calar, nas necessidades passadas sem divulgação, e em muitos momentos de sofrimento e solidão, até mesmo fome, não compartilhados, que culminaram com a decisão final.
Os sobreviventes são realmente lutadores, herdaram isto do lado materno. Emocionam-se sim, mas, a emoção é mesmo contida, muitas vezes percebida apenas porque uma lágrima de canto de olho, que driblando um controle sobre humano, insiste em escorrer, ou pelos olhos marejados, mas nada de demonstração física.
Pensa muito mesmo, quer entender isto, por que um casal que se amou, porque, à maneira deles, eles se amaram até o final: passaram juntos por tudo, fome, amantes (ele), grosserias, cachaça (ele), mas estiveram juntos sempre passou esta frieza, esta vergonha de amar para os filhos?  Ela ativa, trabalhando muito, pedindo pelos seus, sacrificando a sua vida e a dos seus próprios filhos, pois, para que ao menos dois deles tivessem uma boa formação, os colocou em colégios internos, onde também pouco, ou nenhum, amor tiveram; foram explorados, até alvo de “amores”, desejos carnais inaceitáveis à época; mas carinho não, e eles endureceram aumentando uma característica atávica. Ele dependente da fortaleza daquela mulher que conseguiu passar por cima de tudo para manter juntos o que a vida se encarregaria de “desjuntar”.
Pois é; os rebentos destas árvores mal plantadas, mal planejadas, mal cuidadas, aí estão: “frios”, incapazes de dizerem do seu amor uns aos outros, envergonhados de sentirem vontade de abraçar uns aos outros sem que exista um motivo forte: uma viagem de ida ou de regresso de algum deles, um natal, um final de ano, um aniversário, nada mais que isto. Todos têm os seus compromissos, todos não podem, todos são muito ocupados com a vida. Alguns dos frutos destes rebentos estão no mesmo caminho, sem que ninguém tome a atitude de mudar tudo isto, bastando, para tanto, apenas demonstrar um pouco mais de amor com gestos de afeto, de carinho, mostrando, fisicamente, o que com um “orgulho ibérico” trazem no coração, mas que querem esconder, a todo custo, para não parecerem fracos.
É aniversariante, onde você estiver,  que você tenha encontrado, ou encontre, alguém que lhe tenha dado, ou dê, um abraço forte: um abraço onde você possa ter tido, ou tenha, a sensação do que deixou de receber das pessoas que podiam tê-lo feito aqui. Se reencarnado estiver, se isto acontece mesmo, procure dar mais afeto a quem estiver próximo de si, para que não erre novamente, e deixe aqui pessoas incapazes de demonstrar amor, como o que tiveram por você e que você não se permitiu receber
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