quarta-feira, 26 de março de 2014

Foi-se a chance

Saíra do cine Bahia, chovia muito e ela esperava que a chuva passasse para se dirigir ao ponto de ônibus ea voltar para casa.  Estava vestida de vermelho e preto, calça vermelha e uma blusa preta de manga comprida, que era de lã e, mesmo com a chuva, fazia um calor insuportável. Os longos cabelos estavam enfiados em uma boina creme, pois estava bem na moda o uso deste acessório devido à novela que passava na época, MINHA DOCE NAMORADA, com Regina Duarte, que abusou do estilo e fez moda perante a juventude.
Estava bonita, ela o sabia, mas como sempre, estava sozinha e não ficava olhando ao redor para quem estava ao seu lado. De repente alguém se aproxima. Um louro bonito com os olhos muito, mas muito azuis.  A pessoa era bonita sim e dava para ver que não era daquelas paragens.  "Boa Tarrrrde", diz o estranho com um sotaque bem carregado. Ela olha para a pessoa e toma um susto, o cidadão era efetivamente lindo, e a olhava nos olhos, fazendo-a ficar vermelha:- é teve um tempo que ela ficava assim quando alguém lhe olhava!   Boa tarde, respondeu. O cidadão tentava falar mais, entretanto não conseguia ser muito claro, o português não era nada bom; uma mistura de muitas línguas, espanhol, inglês, frances, sabe-se lá mais o que, o fato é que ela não entendia nada.  Com algum esforço entendeu que o rapaz queria pegar um ônibus para a Barra. Com mais esforço ainda, tentou dizer que ele podia pegar o ônibus ali mesmo, bem próximo ao cinema, o problema era a chuva.
Dada a resposta ela fica ali olhando os pingos da água caírem com muita força, e vendo a água correr perto do meio fio, levando a sujeira que encontrava deixando a rua limpa e o asfalto brilhando.
O homem não sai de perto dela e continuava a tentar conversar. A comunicação era muito difícil, mas era impossível não perceber o interesse que tinha despertado no rapaz, que lhe perguntou se ela ia para a Barra.  Não, vou para casa.  Respondeu isto achando que ele ia mesmo entender.
-“Onde mora vc.”? 
 -“longe da Barra”
- "Onde"?
- "Na Federação".
- “Near Barra”
- "No, distante".
- “Seu nome”
- "Dolores"
-“My name is  Bert”
- “Berto”
- "Yes, Bert; I `m German”
Porra, pensa ela, tira este homem daqui, eu não sei falar nada com ele, quanto pior, alemão.
O cara continuava tentando puxar uma conversa quase impossível. Ela sabia inglês da escola. My name is, My adress is, Goord morning, How are you, near, right,morning; nada além disto.
A chuva continuava caindo torrencialmente, o céu estava escuro, e, fora do abrigo proporcionado pelo teto da entrada do cinema, era impossível ficar, assim ela não tinha para onde correr, ou ficava ali tentando entender o que o rapaz queria, ou molhação.
- “Vc é very beautifull?
Este cara tá me xingando; entretanto percebeu que ele estava lhe fazendo um elogio, porque ele a olhava muito e balançava a cabeça.
- “Vc não parrece  ser brasileira”
-"Mas sou baiana sim".
 "Diferrente, muito diferrente and beautifull"
O papo, ainda que muitas vezes indecifrável, começava a lhe agradar. Ela nunca fora cortejada por um estrangeiro, estava com 17 anos, e o mais perto que tinha ficado de um estrangeiro era de seu pai e seus tios e primos ibéricos.
Estava se interessando pelo rapaz que era mesmo bonito. O olho era qualquer coisa
A chuva deu uma trégua e ela disse que ia pegar o ônibus, dando tchau com a mão, ele, então disse:  "Eu vai com vc".
Ela tomou um susto e disse: "não, não". Mas ele insistiu e quando ela entrou no ônibus ele também o fez.
Ela não sabia bem o que fazer, não queria que o cara soubesse onde ela morava, aquilo não fazia qualquer sentido: resultado: deixou que o ônibus passasse do ponto e foi sair no final de linha, no São Gonçalo.  Saiu do ônibus e tentou dizer ao rapaz que o pai dela não ia gostar de vê-la chegando a casa com um estranho.  Não sabe se ele entendeu, mas sabe que ele a pegou pela mão e desceram uma ladeira que dava no Rio Vermelho, e no largo ele lhe pagou uma bebida e ficaram naquela lenga lenga sem saber direito que fazer ou o que falar.
De repente o cara lhe pegou pelo pescoço e lhe deu um beijo. Ela tentou resistir, mas o beijo era gostoso e ela deixou que ele acontecesse, todavia, apressou-se em levantar e dizer que ia embora.
O cara, muito a contra gosto, teve que aceitar, mas disse que no dia seguinte, que seria um domingo, estaria ali a esperando às duas horas da tarde.
Ela não acreditou muito na história e assim que o rapaz pegou o ônibus para a Barra, ela pegou o seu busu para voltar para casa.
Dia seguinte, lá pelas 13h45min, estava no local, mas ficou bem de longe, já lá por perto da Igreja, quando o viu saindo de um carro, uma caminhonete cabine dupla, onde já havia algumas pessoas, de longe pareciam quatro pessoas.
Ela ficou assustada e não quis aparecer, ele desceu e a procurava olhando para todos os lados. Ela deu a volta pela igreja e saio por detrás dela como se estivesse chegando naquele momento. Estava com receio, mas muito curiosa. Assim que ele a viu correu em sua direção, pegou o seu rosto com as duas mãos e deu-lhe muitos beijos em todo o rosto procurando pela sua boca. Ela atônita recebia aqueles beijos atordoada, não estava acostumada a isto, mas o cara era delicado e fazia aquilo numa grande naturalidade, até continuo, depois de dar-lhe beijos molhados nos lábios, tomou sua mão e encaminhou-se para o carro, onde um casal e mais uma moça os aguardavam
Ela pode ver que se tratava de pessoas de posse, as mulheres estavam bem vestidas, embora sem qualquer afetação, mas todos estavam arrumados.  O mais desarrumado, na verdade, era o Bert, que estava de calças jeans, camiseta bege, tênis.  Foram feitas as apresentações e a moça apressou-se em dizer que já não estava agüentando mais a ansiedade do amigo, que desde as dez da manha falava que tinha de vir buscá-la, que não podiam atrasar.
Entraram no carro, ela meio receosa, mas o que fazer, já tava na chuva e tinha de se molhar. Uma das mulheres ficou no banco de trás com ela e o Bert e o casal vinha na frente. No caminho a mulher começou a falar do cidadão. Ele é alemão, esta aqui na nossa casa, porque meu irmão trabalha com ele lá na Alemanha e o trouxe para conhecer a Bahia. O casal da frente era o irmão dela e a esposa, e eles íam, agora, a um carur+u.
Ela não pode deixar de dar risada, então ela foi convidada por um alemão para ir a um carurú.
A mulher continuava a falar, e disse que o caruru seria no Curuzu na casa da sua empregada, ai dela se não fosse.
No caminho, enquanto a mulher não parava de falar, o Bert se encostava cada vez mais nela, lhe dava beijos no pescoço, lhe dava cheiros e parecia mesmo estar feliz por estar ali, naquele momento, na sua companhia .
Chegaram ao Curuzu, o carro teve de ficar na rua, e eles tiveram de descer numa avenida de casas em uma escadaria, e ela lembrou da sua própria casa, e pensou consigo mesmo: se este cara soubesse onde moro, será que ele tava assim tão cheio de amor para dar?
Bom o certo é que eles foram muito bem recebidos, o carurú da melhor qualidade, e para os patrões então, os pratos vinham à maneira, com bastante galinha vatapá, tudo que o que o baiano tem direito. A cerveja corria solta, e todos beberam bem. O Bert bebia, mas podia se notar que ele tava cauteloso, não comera muito, aliás, ele só comera a galinha e o arroz, e mais um pouco de vatapá, não deve ter gostado daquela mistura.
Lá pelas oito, e para ela já muito tarde, eles saíram dali para ir embora. Ela estava aflita porque o pessoal começou a falar em ir para outro lugar, o que ela nem imaginava, se não chegasse a casa antes das dez teria problemas na certa.
Disse isto à amiga do rapaz para que ela lhe informasse.  A esta altura todos já estavam dentro do carro e ela com medo de que não a fossem levar em casa, enquanto isto a mão do Bert ficava mais ousada, e já procuravam os seus peitos, as suas pernas, ela se fechava toda, não só pela situação, como pelo próprio pudor, mas ele a beijava tanto, lhe chupava os lábios, lhe segurava forte. Em dado momento a moça que estava junto a ela no carro disse no seu ouvido: "Deixe ele lhe pegar, não tenha medo, ele tá doido por você, desde ontem que não fala de outra coisa".  Este cara pode lhe levar embora daqui se você quiser e, lá na Alemanha, ele é cheio de dinheiro.
Ela parou, olhou bem para a cara da mulher que lhe dizia isto e lhe falou: "Quero é ir embora para casa, por favor, peça a seu irmão para me levar, ou então, me deixar em qualquer lugar que pego um ônibus".
Bert olhava aquela conversação sem entender bem o que se passava, mas não estava gostando da reação dela, que agora já não estava tão receptiva aos seus afagos mais ousados.
Viu a mulher falar com o irmão, que pegou outro caminho, e ela viu que realmente ela estava indo para a sua casa, já conhecia a estrada e ficou mais tranquila.
Quando chegaram ao Rio Vermelho eles ainda lhe chamaram para ir ter com eles na casa lá na Barra, mas ela disse não.  Bert insistiu para ficar com ela um pouco mais e depois iria de ônibus para casa, mas ela pediu que ele fosse, porque ela precisa ir embora mesmo, Já estava quase dando dez horas e o auê estaria armado em casa.
Ele se foi com a promessa de, no outro dia, as 05h00min da tarde estar ali, naquele mesmo lugar. Ela concordou, muito mais para se ver livre, de que para acertar aquele encontro, que ela sabia, não ia acontecer.
Despediram-se. O cara tava mesmo excitadíssimo, o jeans grosso não escondia isto, e o ultimo beijo e ele se foi para sempre.
No dia seguinte, tanto ele, quanto ela estavam lá, mas ela só foi mesmo para saber se ele iria, queria ter esta sensação de que era querida, mas não teve a coragem de aproximar-se. Viu quando ele, cabisbaixo, foi-se. 
Assim acabou a primeira chance que ela teve de “perder a virgindade” e de  ter uma affair mais sério com um estrangeiro e  ter a chance, que na época todos queriam, de sair do país.


sábado, 15 de março de 2014

O Desabrochar da Flor do Deserto

A flor do deserto, mais uma vez, desabrochou. Desta vez ela foi para lá de generosa, porquanto  estão brotando, em um só momento, treze delas num único ramo. Estou feliz,  mas isto não apaga  a sensação desértica da minha vida. Queria florescer como esta planta conhecida por flor do deserto.  Acho que o nome deve ter sido colocado pela aparência, pois o seu caule é grosso, as folhas também; deve ser para aguentar as intempéries do seu local de origem, mas o fato é que ela, mesmo em poucas vezes no ano, não sei se apenas uma ou duas vezes, floresce.  Não floresce ela de qualquer maneira, ela se amostra linda, a sua cor não tem comparações, acho que a cor é grená, mas é tão lindo, tão encarnado, que a gente fica na dúvida de que cor é mesmo.
Pois é, queria florescer como a flor que florescer, mas tá difícil, porque, se ela, planta, tem a mim para, ainda que ela seja do deserto, ser molhada, ter a terra ao seu redor revolvida para que ela possa respirar melhor e crescer mais, colocar veneno nas pragas que a atacam, eu não tenho nada, estou sempre só, ninguém me rega, ninguém me revolve. Há muito que ninguém coloca um basta nos venenos que foram colocados na minha alma, que vai morrendo um pouco a cada dia, perdendo o brilho, a cor, que era resplandecente. Agora vivo no opaco. Parei com tudo, não quero escrever exatamente porque o escrito sai um lamento. Não quero ouvir músicas porque elas me trazem recordações que não quero ter.  Agora mesmo  ouço  Nana Cayme numa música em que ela fala do tempo e do vento.  A música é linda, a letra também, mas ela me reporta à minha própria vida, ao meu tempo, ao quanto fico sem jeito quando ele passa sorrindo e me deixando chorar, porque ele, como bem diz a musica, sabe passar, mas eu não sei. Ah como queria eu  que o tempo,  ou voltasse, ou  então passasse bem depressa para que o que tiver de chegar chegue mais rápido.
O que tiver de chegar! Será melhor ou pior do que o momento que passo?  Estou inútil, pois nem mesmo o que mais gosto de fazer na vida, que é ler, estou conseguindo. Não tenho concentração, a cabeça fervilha de questionamentos que não  recebem respostas, nem minhas e nem de ninguém, porque são perguntas silenciosas que faço  a Deus. Sim, a Deus, como se ele pudesse responder alguma coisa.
Um telefonema e tudo rui, até os pensamentos que começam a tomar uma forma. Vou embora, vou deixar tudo para trás, vou procurar sonhos. Que sonhos?  Acham vocês que alguém pode sonhar aos sessenta?  Dor na perna, dor no pé, dor no ombro, herança maldita de uma família artrosiada, ou artritiosa: não sei, só sei dos efeitos . Penso em minha mãe:  Será que vou ficar igual a ela?  Respondo a mim mesmo, querendo um consolo: “não você não vai ficar assim, você foi sempre ativa, você faz yoga, você  anda.”  Não isto não me consola. Minha mãe andava para  cacete, não como eu, mas andava. Subia uma ladeira imensa  se quisesse sair de casa e ir a rua, e olhe que ela gostava de rua, pois  ela frequentava a igreja, adorava ir a médicos, por sinal fez muitos amigos nas filas  dos consultórios: brancos, pretos, até estrangeiros, ela era assim, quanto pior: e ainda os levava  todos para almoçar lá em casa, caso  eles tivessem que ficar mais tempo na fila.  Pois é, eu não  fico em filas, não  subo escadas,  mas faço yoga e  ando uma hora dia. Será que isto vai resolver alguma coisa? Acho que não, o calcanhar está aqui para me mostrar isto.
Fico então pensando em que velhice vou ter: sozinha, chata, frustrada, mal humorada. Este é um futuro que quero reverter, mas está difícil, difícil mesmo. Nem a esperança da flor do deserto  me faz mudar  o pensamento.
Olho em volta, estou sozinha, não tenho nem mesmo a quem me queixar. Todo tem compromissos, nos quais não estou incluída. Promessas! Para que as quero? Não, não as quero, até porque elas não serão cumpridas, a gente vê que elas não se realizarão. Se acontecerem elas serão efêmeras como a orquídea lilás linda e delicada que floresceu a semana passada e agora  desapareceu, deixando apenas uma marca da sua passagem. Será que ela foi feliz nesta momentânea aparição?  Será que ela não precisa ser feliz, que ela se contenta com  a beleza que ela  permite que alguém aprecie? O fato é que ela  floresceu, viveu  três ou quatro dias e simplesmente murchou.  Seria bom que  as coisas fossem efêmeras assim como a orquídea
que aqui floresceu. Se  as coisas ruins fossem efêmeras não estaria eu aqui agora  traduzindo a minha dor em palavras para ver se diminui a pressão, não a pressão do corpo, esta só diminui agora com remédio, mas a da alma, que está mesmo a ponto de explodir.
Penso mais uma vez,  será que ninguém consegue ver os sinais? Eles estão aí, se mostrando a todo momento e ninguém  olha, ninguém vê, ninguém ajuda. Todos preocupados consigo mesmo. Um com a casa que precisa será terminada, outro em enganar e deixar de pagar o que deve, outro com um caso extraconjugal, muitos com a aparência tão somente, alguns  com a responsabilidade de ter assumido mais do que devia e não pode dar conta. Pois é, ninguém tem tempo, e o deserto do que necessita aumenta, está completamente árido, não adianta chover, nem mesmo a chuva  é suficiente para  deter o processe de desertificação.  É a pessoa não vai florescer mais, embora esteja procurando uma maneira de fazê-lo.
Mudei a música. Quem sabe sem entender direito a letra isto fique melhor, mas é um engano, porque coloco Michel Boublé e ele canta:  "You`ll never find another love like mine". Digo a mim mesmo: Really it is true: he will never find another love like mine, someone who loves him like  I do.  But its not important for anyone, because  noone  will read it, then  anyone wont know how my love is great and  deep.
Vou continuar olhando a minha flor do deserto, agora ouvindo Luis Miguel a cantar “La puerta se cerrou detras de ti”, esperando que amanhã uma porta se abra e que  mais uma flor do deserto desabroche, e com  ela a  esperança de que também possa florescer. 

sábado, 1 de março de 2014

Velhos e Bons Carnavais


O carnaval se aproxima e eu fico pensando nos belos carnavais de tempos atrás, quando os trios elétricos saiam da frente da Manon no início da Avenida Sete. Eram só três, salvo engano, o da Saborosa, o do Tapajós, outro que agora não lembro o nome.
Era fabuloso ir para a casa de minha avó, pois minha mãe só deixava a gente sair com as irmãs dela, a gente era: eu e minha irmã mais velha. Íamos de mortalha, todas faziam a roupa do mesmo pano. Chegávamos à rua lá pelas dez da manha, cinco ou mais mulheres, e descíamos do ônibus, salvo engano, ali pelo Garcia ou Campo Grande, dali íamos andando até é o Forte São Pedro, e no caminho o frenesi já tomava conta de todas. Eu, que tinha 15 anos, era objeto do cuidado das demais, como era bonita e muito desenvolvida para os quinze anos, arrumava muitos galanteadores no caminho. Um em particular, me acompanhou durante uns três ou quatro anos de carnaval. Quando eu passava com o meu grupo pelo forte de São Pedro, ali estava ele, um belo homem: alto, moreno, olhos negros, muito negros, mãos lindas. Não sei do resto, ele também usava uma mortalha e sempre o mesmo comentário.  “Minha noiva, no próximo ano caso com você”.  É verdade: acreditem, ouvi isto durante uns quatro anos da minha vida. 
Todas já sabiam, e se ele não tivesse no local, até dávamos uma paradinha para esperá-lo. Trocávamos o nosso abraço e beijos no rosto, ainda não tinha esta coisa de beijar, beijar, beijar, pelo menos, não me lembro disto, também, tinha um nojo da zorra de beijar quem não conhecia. Um dia, por causa de um beijo de um cara qualquer, quase apanho na Avenida Sete, pois dei uma tapa na cara do homem na mesma hora; caso não estivesse na frente de um bar, e nele não tivesse uma porção de rapazes, que abriram uma brecha para que eu entrasse e impediram a passagem do homem, não sei se estaria escrevendo isto agora, O cara se retou mesmo e partiu para cima de mim. Não me pegou por causa da ajuda providencial do pessoal. Fiquei muito tempo dentro do bar, até que os caras saíram e eu fui quase que escoltada até o ponto de ônibus.
Nunca arrumei namorados no carnaval, não achava legal mesmo, mesmo depois dos 18 anos, e já com trios elétricos revolucionários eu continuei ilesa. E olhe que eu pulava, literalmente, atrás do trio elétrico e dos blocos da época: Internacionais, Corujas, Barão, Jacu.
Todavia, antes dos 15, também fazia carnaval, penso que até os oito, meus pais nos levavam, a mim e a todos os irmãos existentes na época, para o carnaval.  Lembro da Avenida Sete onde as pessoas colocavam bancos de madeira amarrados nos postes uns nos outros, que não eram ocupados por quem não era dono, e se ocupados, quando os donos chegavam, as pessoas saim sem qualquer problema. Minha mãe nos fantasiava a todos, a fantasia mais corriqueira era a de cigana.  Acho que a descendência espanhola fazia com que a preferida fosse ela. Adorava o torso amarelo ou vermelho com aquelas coisinhas penduradas na ponta, caindo na testa. Olhe que ficávamos bem bonitos, os três, eu Elisa e Tininho, que já se vestiu de pirata, com roupa de cetim toda preta uma tapa olho. As nossas lanças perfume douradas, uma bisnaga imensa que não podia faltar, o saquinho com confetes e serpentinas eram as nossas armas carnavalescas.
Há um tempo anterior, quando meu pai ainda pagava o Centro Espanhol, que ficava na Vitória, íamos para os bailes infantis, depois tudo isto acabou, e eu só lembro-me de ter ido ao carnaval com as minhas tias, Glória, Natércia, Aércia e suas amigas: Ieda, Solange, Nildete, Jandira e outras.
Era bom mesmo nos programarmos: tínhamos um tio que era garçom e ele nos fazia entrar, imaginem vocês, nos clubes da elite: Bahiano de Tênis, Associação Atlética.  No Yacht fui muito poucas vezes, não por causa do tio, e sim por conta da beleza, namorei com alguns sócios.
O que gostava mesmo, entretanto, era do dia de sexta feira, se bem me lembro, de um baile de carnaval no clube dos médicos que ficava na Boca do Rio, era uma epopéia para chegar e outra para ir embora, recordo-me de ficar sentada, junto com muitos outros foliões, aguardando que o dia acabasse de amanhecer e aparecesse o primeiro ônibus, para voltarmos para casa.
Não me lembro em que época, mas o carnaval da Bahia tinha escolas de samba, se não eram escolas de samba, eram blocos que saiam com carros enfeitados, pessoas fantasiadas, algum luxo.
Também adorava ir às festas do Fantoche da Euterpe, aquele clube que ficava no Dois de Julho, não sei quem me levava, mas fui muitas vezes.  Hoje acho engraçado lembrar como brincávamos carnaval em salas minúsculas com chão de tacos formando desenhos extraordinários. Acho que as salas tinham muitas portas, era um salão na verdade, mas que hoje em dia seria minúsculo para uma efetiva festa de carnaval. As pessoas iam fantasiadas, grupos de palhaços; grupos de colombinas: grupos de marinheiros: presidiários. Eu, quando muito, estava com alguma saia de cós baixo em que amarrava um lenço cheio de miçangas, uma blusa tipo “bustiê” e pronto, era uma fantasia. Morria de medo de cair quando a orquestra tocava corre lambretinha, que começava mansinha e depois acelerava, e era um Deus nos acuda. Ficávamos ofegantes e felizes, e hoje posso sentir a pureza daqueles carnavais. Gostava de sentir o frescor da lança perfume, e adorava o cheiro perfumado que pairava no ar.
Ver as máscaras, algumas, não nego, me davam medo, era muito excitante.  Quando mais velha, ler as criticas bem humoradas a tantas troças, que eram feitas sob diversos assuntos, era mesmo muito interessante. O carnaval era um momento de efetiva liberação, mas uma libertação cultural, onde as pessoas, talvez por se protegerem atrás das máscaras, podiam criticar o Governo, a política, os patrões, sem o risco de sofrer punições. Hoje a liberdade no carnaval só tem um significado: SEXO.  
Lembrar as marchas carnavalescas que eram tocadas. Recordar os concursos para a melhor música do carnaval, que eram feitos nos meses que antecediam a folia, salvo engano, é encantador e dá uma imensa nostalgia.  Esperar os desfiles de fantasia no Copa, ver Clovis Bornay, Evandro de tal(que diziam que era baiano), e tantos outros desfilarem com aquelas fantasias luxuosas, era um bom programa. Ver alguns flashes  do Baile do Bola Preta, penso que era este o nome, era  fantástico. O fantástico fica por conta da proibição, pois minha mãe achava aquilo um atentado ao pudor. Que engraçado, aquilo era um atentado ao pudor. Hoje eu não sei o que ela diria ao assistir, em plena televisão, o pessoal de blocos não só transando na rua, como se drogando, enfim, passando bactérias de boca em boca, tudo de errado mesmo.
O Clube de Engenharia, este era mesmo fatal para as donzelas, não tão donzelas assim, aquilo era comentado: antes, durante e depois do carnaval. Não se saia dali sem um par. São muitas e muitas lembranças, que devem ser sorvidas pouco a pouco.
Olhe, tenho saudades mesmo, e vou escrever mais sobre isto. Por hoje é só, mas ainda tem muito o que falar.  Barroquinha Zero Hora, Mudança do Garcia, Cada ano sai pior,  Barão,  Jacú,  Apaches do Tororó, Cacique, Filhos de Ghandi.  Um pouco depois: Os Novos Baianos, Caetanave, etc. etc. Realmente, já não se faz carnaval como antigamente. “Tanto riso, ah, tanta alegria, mais de mil palhaços no salão, Arlequim esta chorando pelo amor da colombina, no meio da multidão:  Foi bom te ver outra vez, está fazendo um ano, foi no carnaval que passou...”(Zé Keti). “Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu, quem já botou para rachar aprendeu que é do outro lado de lá do lado que é lado, do lado, lado de lá”; “Não se esqueça de mim, não se perca de mim, não desapareça, que a chuva tá caindo q quando a chuva começa eu acabo de perder a cabeça, não saia do meu lado....”(Caetano Veloso)  A única coisa que não tenho saudades no carnaval  é  dos macacões, que eram disputados: macacões da Shell, Esso, e de tantas outras empresas eram mesmo um símbolo, até mesmo, de status. Lindos, branquinhos, folgados, mas que davam um trabalho da zorra na hora do xixi.