domingo, 17 de março de 2013

Nuvens carregadas


É um sábado, o dia começou nublado, o homem da limpeza não veio, ela olha o pano que está seco e confirma que ele  realmente não esteve no local. Pelo segundo dia consecutivo ele não vem e ela tem de limpar tudo, na verdade não se importa muito, mas o que não gosta é exatamente de ficar na expectativa   Como tem de limpar mesmo, o faz.  Molha as plantas porque a chuva está muito fina e não vai dar vencimento, cata as folhas que caíram à noite, varre todo a varanda e o pátio, joga o lixo fora, faz tudo automaticamente, parece um robô.
O dia cresce sem muito entusiasmo. Ela limpa tudo, o quarto de cima, abre as portas, limpa escada, desce limpa a sala. Toma banho no chuveirão do lado de fora da casa, sabe que está sendo olhada, mas não se preocupa, está na sua casa, portanto quem está olhando é que é o intruso.
Muda a roupa, vai na feira, nada lhe agrada, a chuva começa a ficar mais forte, ela retorna.
Faz um mousse de limão, tudo muito automático, parece que não quer estar ali naquele lugar, fica procurando fazer coisas para não pensar muito no que está sendo a sua vida agora. O que adiantou fazer tanta coisa? O que adiantou se afastar tanto tempo, se isto não resolveu nada, muito pelo contrário, isto só fez aumentar as suas incertezas, inseguranças, até mesmo a raiva. Não se controla, chora, xinga, blasfema.  Deus não tá vendo esta merda?
Quer ir embora, não suporta esta coisa que não sabe o que é, que não é definida. Ninguém vive de promessas e de ausências. Ela quer viver, ser feliz, mas parece que outros não querem, ou melhor, nunca quiseram isto.
Tenta se recuperar, está entrando num parafuso e sabe aonde isto vai ar, então pega um disco de Kitaro e coloca, por incrível que pareça o nome do disco é “Dream”, bem sugestivo para o momento que está passando, então ela começa a pensar. “Vou vender tudo, vou pagar o que devo e vou embora, para onde não sei, mas vou passar um bom período fora daqui; quem sabe quando voltar, se voltar, as pessoas tenham se resolvido, ou quiçá, desaparecido”.
Pensa em ficar na rede, afinal é uma coisa que ela realmente gosta, ficar ali meio deitada estudando, lendo alguma coisa. Ai dela se não fossem os livros? Com certeza ela já não suportaria tanta solidão, tanta ausência, tantas incertezas, tantas dúvidas. Sabe que já não tem mais idade para tê-las, mas ela as tem.
A Chuva agora cai forte, mas muito forte mesmo, e ela fica a olhar da varanda todo o esplendor que tem um dia de chuva providencial, porque o calor estava mesmo insuportável. Ela pega o computador e pensa em escrever um texto, não é a hora adequada e ela bem sabe disto, mas ela tem de botar para fora alguma coisa, caso contrário ela não vai suportar.
A natureza, entretanto, se lhe mostra feliz, e ela tem de desviar pensamentos tão cruéis, e tenta entrar em contato com ela, passar a fazer parte dela, do verde, da chuva, do cinza do céu. É difícil, mas ela tenta. Procura se lembrar do sonho que teve hoje, sabe que foi alguma coisa a ver com cabelos brancos, com sobrancelhas, com o contraste que agora existe entre os seus cabelos, as suas sobrancelhas e a vida.  Seus cabelos mostram a sua realidade hoje, mas ela não quer se convencer dela, acha que ainda não está na hora de se sentir assim, mais velha, no entanto decidiu que não vai mais pintar os cabelos, vai deixar que eles se mostrem como realmente estão, brancos.
Não sabe dos acertos das suas decisões, mas vai ter de tomar algumas, desde a casa, até a sua ida, de uma vez, para fora do país.  Tudo é melhor fora daqui, ela bem o sabe, a distância é uma grande sua aliada. A liberdade, o não ter de dar satisfação a ninguém dos seus atos, a impresença de todos e dela, em relação a eles, lhe faz bem. Se um dia chora, no outro está bem, ao contrário daqui que só chora, nada lhe agrada, nem mesmo as migalhas que lhe dão e que dizem que é amor.
Vai mesmo pensar muito, hoje é um dia adequado para isto, vai se inspirar na natureza, que se modifica a cada momento, nada é igual ao ontem e nem ao amanhã em relação a ela.  Mais galhas na pitangueira, que amanhã pode estar com mais ou com menos folhas. Os frutos hoje verdes, amanhã estarão vermelhos.  Os cocos hoje verdes, amanhã poderão não estar mais no cacho, a chuva e o vento podem derrubá-los. Os pequenos embriões, que começam a se mostrar, podem morrer antes mesmo de demostrarem as suas características.
O jasmim pode ter as suas digressões interrompidas por uma quebra dos seus galhos. Enfim; a natureza mestra mostra-lhe que tudo pode mudar de um dia para o outro, e é isto que ela espera: que as coisas mudem mesmo, mas para melhor, porque para pior ela já não suporta mais, está, a cada dia, mais sozinha, mas velha, mais triste. O refúgio está em seus livros, mas até eles começam a não gostar do seu toque, não querem ser abertos, manuseados, lidos. Ela está dispersa, e quando isto acontece eles não podem lhe oferecer os seus conhecimentos, os seus conselhos.
E o notebook, também não satisfeito,  não gosta quando ela  lhe usa para  descarregar tristezas, ele, que também é o seu companheiro de solidão,  quer que ela viva, que ela seja feliz, quer ver alegria no seu olhar refletido através do seu visor para ela mesma, que tem de se convencer que ela bela, que é capaz, que tem obrigação de ser feliz.
O disco continua tocando e a chuva parou, o sol quer aparecer, mas as nuvens não permitem, hoje é o dia delas, hoje elas é que vão brilhar, que vão permitir que outra chuva caia  e que as gotas sirvam para que ela possa, em cada uma delas,  desinfetar a alma e  possa reagir e ter esperança de que,  amanhã, tudo será bem diferente, que as suas dúvidas  já não existem, e que ela vai viver tudo o quanto ela  sonhou. 

segunda-feira, 11 de março de 2013

Uma justa lembrança


Soube, pela rede, que ele falecera hoje. Leu a notícia sem surpresa, porque tem consciência plena que todos da sua época estão mais para lá de que para cá, e, de agora em diante, muitas vezes terá de passar por estes momentos.
Ficou triste sim, bem verdade, e começou a pensar no convívio que tiveram enquanto ambos estavam na ativa.
Um dos primeiros encontros aconteceu quando ela, ainda substituta, foi trabalhar numa daquelas Juntas problemáticas da região. Ela era escolhida para as porcarias, sempre mostrou muita disposição e determinação para o trabalho, e, talvez por isso mesmo, era convocada para resolver problemas.
Uma destas Juntas de Conciliação e Julgamento foi a de Santo Amaro da Purificação. Passou ali maus bocados.  Teve de se indispor com muitos, desde funcionários a advogados e até com a cúpula do Tribunal.
Não sabe se ele lembrava do homem que disse ter um dia representado o Brasil numa destas cortes internacionais, ela sempre achara que quem teria realizado este feito fora o Ruy Barbosa, afinal ele era conhecido como o “Águia de Haia”, mas, em Santo Amaro, descobriu que houve outro, e este outro, que conheceu, afinal não era nenhum matusalém para ter qualquer tipo de contemporaneidade com o primeiro, lhe causou problemas. Bom o fato é que esse que disse ter representado o Brasil na corte, embora até hoje ela não saiba o motivo, foi fazer uma audiência na Junta em que ela era, então, Presidente.
O homem era nervoso, um senhor já com uma idade avançada, já na época de se recolher, mas insistia em trabalhar, o que achava louvável, mas o impedimento não era só a velhice, pior que ela era, exatamente, uma das suas consequências, ele tinha uma insuficiência auditiva. Alguns já haviam falado desse advogado, mas ela ainda não tinha tido o desprazer de vê-lo em ação.  Nas poucas oportunidades em que esteve com ele, não fez instrução do processo, e a audiência fora adiada, portanto não sabia bem como era a sua maneira de atuar, o que descobriu em momento pouco adequado.
Era uma audiência de instrução, onde as partes prestariam o depoimento pessoal. Acontece que o cliente do digníssimo doutor não compareceu, o que implicava em confissão quanto as matérias de fato. O doutor quis tumultuar a audiência fazendo todos os tipos de impertinências e requerimentos, inclusive de adiamento da audiência, todas as tentativas foram rechaçadas pela Juíza Presidente. Encerrada a instrução, em alegações finais, o doutor excedendo o seu tempo, não parava de falar, debalde os esforços da presidente para fazê-lo calar.  Ele falava, falava e falava e a única solução foi não tomar nada que ele falou após o seu tempo legal de alegações finais e esperar que se dignasse a parar de falar, o que demorou muito, deixando a neófita Juíza para lá de irritada.
 A sentença, como sempre, foi publicada no dia seguinte, e em determinado trecho a Juíza se referia ao comportamento do senhor advogado, inclusive fazendo referência à conveniência da sua surdez, porque ela descobriu que o que comentavam era mesmo verdade:  O digníssimo doutor simplesmente desligava o aparelho e fazia o que queria sem ser interrompido, porque não ouvia o que estavam lhe dizendo.
Esta referência causou uma grande indignação no homem de Haia, tão grande que ele fez uma representação contra a Juíza Presidente, que inclusive teve e contratar um advogado para apresentar a sua defesa. 
Um dia, entretanto, ainda sem que a representação fosse apreciada, a Presidente recebe um convite para comparecer à Presidência do Tribunal, e lá se vai ela sem saber muito o que lhe esperava.
 Em lá chegando foi levada à presença do Sr. Presidente, que por acaso era este senhor cuja morte foi anunciada hoje, e aí começou o seguinte diálogo:
- Como está a senhora doutora?
- Bem, e o senhor?
- Bem.
- Sim doutor, qual o motivo deste convite?
-Doutora nós queremos saber qual a possibilidade da senhora fazer uma retratação pública em relação ao Dr. Fulano de tal?
Ousada, como sempre:  - Eu ouvi direito? Como é que é mesmo? Retratação!!!!
- Sim doutora, estamos falando de um senhor, um homem com uma grande carreira, estimado por muitos, um senhor idoso conceituado, com uma folha de trabalho impecável. etc. etc. etc.
- Doutor, salvo engano, eu dei uma decisão, decisão esta terminativa do feito, e não há como modificar nada, aliás, não sei como fazer o que o senhor está querendo, mesmo porque, a ofendida fui eu, quem deveria retratar-se era o senhor advogado e não eu.  Se ele é velho, se é moco, deve parar de advogar e não ficar contando com a benevolência e educação dos Juízes, que não tem tempo a perder nem com ele e nem com qualquer outro. Temos de respeitá-los, mas temos de ter respeito também.  Pela idade ele já deveria saber como se comportar, etc. etc. etc.
- Doutora, vamos acabar com isto: vamos fazer esta retratação e o processo acaba, inclusive.
- Não Sr. Presidente, prefiro ser julgada, até porque ninguém que tenha o mínimo de discernimento, vai fazer qualquer coisa contra a minha pessoa. Estou certa, mas há uma coisa que o senhor pode fazer, e se o senhor fizer eu até peço desculpas ao doutor.
-  Sim doutora, o que é.
- É o seguinte. O senhor pega aquele velho, segura ele pelos dois braços, eu dou um belo pontapé no dele, e aí eu me retrato, não só com ele, mas, também, comigo mesmo, pois vou lavar a minha alma.
Como é que doutora?
- É isto mesmo que o senhor ouviu.  O seu pedido é tão absurdo quanto o meu, portanto...
Kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk, tá dispensada doutora.
E ela saiu da sala ao som da gargalhada do então Presidente.
Quando chegou na recepção, olhos atentos e curiosos aguardavam-na, porque todos já sabiam qual era o assunto a tratar, menos ela claro.
- E aí doutora? Como foi a conversa? O que a senhora falou para ele dar esta risada tamanha, quando nós pensávamos que a senhora ia sair daí arrasada.
- Entre na sala e pergunte a ele.
Alguns, efetivamente, souberam da conversa, que serviu, durante algum tempo, de motivo de risos e de, mais uma vez, ela ser tachada de maluca: mas, como tudo,  o incidente foi esquecido e a representação arquivada, se querem saber. 
Agradece ao  Sr. Presidente. Vá em Paz para o lugar que Deus reservou para si.

quarta-feira, 6 de março de 2013

"Vá chafurdar no lixo"


Quando o corpo e a mente começam a falhar e a nos pregar peças, o melhor é tirar o time de campo, aposentar as chuteiras, recolher-se, ou, então, tentar mudar a atividade.
Por que estou a falar isto? Porque ontem vi uma cena nada agradável na televisão, que teve como protagonista o Presidente do Supremo Tribunal Federal, o Ministro Joaquim Barbosa. Pois não é o que o homem, que é o “chefe” do Poder Judiciário brasileiro, destratou um repórter, que estava apenas fazendo o seu trabalho, podendo até mesmo ser considerado inconveniente, mas nem por isso deixaria de estar trabalhando, mandando que este fosse “chafurdar o lixo”.
Em que pese a demonstração de erudição com a utilização do verbo, que muitos não sabem o significado neste país de semianalfabetos, que assim continuam e vão continuar sempre, enquanto forem patrocinados pelas diversas bolsas de programas sociais pagas com o suor de outros tantos, que trabalham e pagam os seus impostos, não há qualquer justificativa para a atitude do Senhor Presidente.
Disse o Ministro em nota divulgada momentos após o lamentável incidente e em pedido de desculpa formal e oficial, pois quem se pronunciou foi o Supremo que ele estava “muito cansado e com dores”. As dores do Ministro já se prolongam pelo tempo, parecem ter algum alivio, apenas e tão somente, quando ele cruza o Atlântico e vai entregar-se a mãos habilidosas, arianas e cuidadosas da medicina “germânica”, que se não conseguiu resolver-lhe o problema de coluna, osmosiou-lhe a grosseria no trato para com o “outro”. Só um conselho: o último que procurou a medicina forasteira faleceu com insuficiência respiratória no mesmo dia em que o Ministro perdeu as “estribeiras”.
Denote-se que o ato em relação ao repórter não é um ato isolado, porque quem assiste, como eu, à TV Justiça pode perceber, perfeitamente, o desconforto provocado pelo Ministro em muitos momentos, seja entre seus próprios colegas, seja com advogados que estão na defesa de suas causas. O Ministro e atual Presidente não tem qualquer constrangimento em mostrar a sua insatisfação quando é contrariado em suas ideias. Chega mesmo a tratar mal alguns querendo impor as suas teorias. Ainda bem que  o órgão é  mesmo um colegiado, caso contrário  não sei o que seria de nós, brasileiros,  com uma presidente e um partido político, que a exemplo das  “democracias ditatoriais” da América do Sul e Latina querem se perpetuar no poder e à sua  vontade, modificar leis, usar de artifícios legais para governar à sua maneira,  vide o exemplo das medidas provisórias neste país, com um Legislativo comandado por homens que respondem a “processos”  exatamente por utilizarem o poder em benefício próprio e agora com um "Chefe" do Judiciário destemperado, enfim.
Evidentemente que o Sr. Presidente tem de ser enérgico, ele tem de manter a ordem, e por vezes alguns passam do limite, mas isto não significa que deva ser descortês. As caras e bocas do Sr. Presidente ao presidir as sessões não condizem com a excelência da posição ocupada.  Não nego que gosto da maneira com que os senhores Ministros criticam os seus pares. Gosto de ver os pedidos de vênia, toda vez que isto acontece lá vem uma bomba para cima do relator, revisor, enfim, de quem está   lendo o voto. Aprecio a maneira irônica, mordaz em alguns. Gosto de ver as hipérboles, as parábolas, as metáforas. Eles são mesmo inteligentíssimos, cultos, e por isso mesmo é que fico atenta a tudo, aos gestos, às palavras, às expressões faciais, que demonstram a contrariedade de cada um deles quando discordam do que está sendo exposto, mas nada se compara à expressão facial e corporal do Presidente do Tribunal. Ele tem muitos “tics”, se mexe na cadeira, vira para um lado, para outro, balança a cabeça, enfim, não esconde de maneira nenhuma a sua insatisfação, quanto pior, quando parece estar sempre apressado para acabar a votação e a sessão.   
Saudades tenho do Presidente poeta, tenho um colega que insiste em falar mal dele, mas que mal há em ser cordato, educado? Eu não tenho nenhuma destas características, por isso mesmo me afastei da vida pública, porque caso contrário, estaria agora presa e acusada de agressão, porque por muito pouco, pouco mesmo, não parti para a violência contra alguns profissionais e partes que, descaradamente, arrumavam testemunhas falsas, faziam declarações falsas, enfim, utilizavam a justiça efetivamente como meio de enriquecimento ilícito.  Das vezes que pude interceptar isto, o fiz, mas, muitas vezes tive de calar, me vilipendiar por dentro, chorar dentro dos meus quartos de hotel, por, apesar de saber estar diante de mim uma prova forjada, nada poder fazer, porque não tinha como provar isto e tive, muitas vezes de me calar e “não fazer justiça”: cumpri sim, como sempre, a lei, mas não fiz justiça. Por isso mesmo, deixei o judiciário. Fico hoje imaginando os meus colegas a se debaterem com as causas de indenização por danos morais, acho que teria uma sincope em plena audiência.
 É Senhor Presidente, o Mensalão acabou, os seus dias de herói já se foram, a sua lua de mel com a imprensa acabou. O Senhor é o Presidente do Superior Tribunal Federal, o senhor tem de manter, querendo ou não, uma postura adequada com a sua posição e também deve lembrar que o judiciário está passando uma fase muito difícil, os juízes desprestigiados, desrespeitados, acéfalos. O País precisa de um Supremo Tribunal Federal atuante, chefiado por um homem que realmente faça a diferença, entretanto não precisamos de destemperos, porque eles demonstram fragilidade. Também não queremos um presidente que venha a presidir sessões em camas hospitalares, naturalmente fabricadas em terras outras, as nossas não devem ser tão boas. Cuidado com a saúde, física e mental, pois.