terça-feira, 30 de outubro de 2012

Será premonição?


Para variar, sonhei com você. Estávamos em uma rua de pedrinhas portuguesas, uma mera coincidência claro; a rua tinha um declive e as pedras faziam desenhos diversos, flores, copas, setas.  Não chovia, mas o tempo estava frio, mas nós estávamos bem e de mãos dadas, felizes descíamos, descalços, a rua, por onde corria uma espécie de córrego, com uma água muito límpida.
Sorríamos como crianças que adoram andar na água contrariando os pais que sempre dizem que vão ficar constipadas. O engraçado é que estávamos vestidos como se fossemos a uma festa. Você, como sempre, estava muito bem vestido; eu levava um vestido de caça branca, que me pareceu já o ter vestido há muito tempo atrás, quando ainda muito jovem. O vestido tinha três fitinhas fazendo uma alça: uma rosa, outra amarela e outra azul, tudo muito discreto, clores bem clarinhas, harmônicas. O vestido era todo branco e a única coloração era exatamente o detalhe nas alças. Levava alguma coisa no cabelo, parecia uma tiara de flores.  Você tinha uma roupa toda branca e um blazer azul celeste. As calças estavam arregaçadas até o joelho, exatamente para que não molhassem. De mãos dadas descíamos a rua estreita e de pedrinhas chutando a água que salpicava em nós mesmos e nas pessoas que passavam.
Engraçado que não falávamos nada, apenas ríamos muito, muito mesmo, era como se estivéssemos celebrando alguma coisa muito boa, as mãos entrelaçadas e o riso nos uniam, aliás, este sonho realmente não precisava de legenda, estava muito claro.
Acordei e fiquei pensando que mensagem é que este sonho trazia. O que ele queria mostrar? Procurei na internet o significado de sonhar com água transparente, com caminhos, com mãos entrelaçadas.
O sonhar com água límpida e corrente é muito bom, significa coisas boas, novidades boas, vida sem problemas. Vou ter esperanças que isto seja mesmo verdade, porque a minha vida, como você bem sabe, não está nada bem e nem tranquila, mas não quero falar disto, quero falar da simbologia deste sonho.
Será que de pensar tanto em você fico idealizando um caminho juntos que chego a sonhar com ele? Será que isto é uma premonição? Será mesmo que vamos seguir esta estrada que nos falta percorrer juntos e felizes?
Ah meu amor! Como queria isto.  Como queria que o sonho fosse verdade, como queria estar andando com as mão entrelaçada na sua, percorrendo o caminho da felicidade que merecemos. Já sofremos tanto, já fizemos tantas coisas erradas, já dividimos este tão imenso amor com tantos que não o mereceram e só fizeram adiar o nosso grande momento. Talvez precisássemos de tudo isto para saber bem o que somos um para o outro e entendermos que não adianta querermos ou quererem nos separar, nós não conseguimos estar sem o outro, não adianta. Se não estamos presentes em “presença”, estamos em pensamento. Se não nos vemos, não significa que não estejamos juntos, que não nos preocupemos um com o outro, que caminhemos sós. Não meu amor, não caminhamos sós e você bem sabe disto, aliás, não precisamos nem verbalizar isto: é visível! Todos notam; até mesmo aqueles que não devem e não poderiam notar. Os seus grandes gestos, as suas preocupações comigo e com os meus demonstram isto. Quem nos rodeia percebe, até torce, mas sempre há alguma coisa para atrapalhar. Uma nova aventura, uma nova viagem, uma nova experiência, um novo desejo de conhecer e saber e aí abdicamos do que é mais importante, que somos nós.
Olhe, não vou mais dizer nada, não quero desfazer a imagem do sonho, vou continuar trilhando este caminho, vou permitir que a água purifique-nos e nos mostre mesmo que a vida, a nossa claro, somente será plena quando entendermos perfeitamente que só vale a pena se estivermos unidos, juntos e felizes.
Todavia, os sonhos que temos dormindo podem mesmo ser um grande sinal e não custa nada atentarmos para os detalhes:
Água límpida e corrente – significa prosperidade, momento bom na área sentimental, financeira e profissional, boas novas; 
cor azul claro - fortuna;
branco – pureza, inocência;
cores claras – acontecimentos felizes;
mãos entrelaçadas – se com alguém que conhece, esta pessoa é importante para você.  
Sonhem, pois!


terça-feira, 16 de outubro de 2012

Ouçam a voz da experiência


"Quem tudo quer tudo perde"
“Em terra de cego quem tem um olho é rei”;
“Quem tem telhado de vidro não joga pedra no do vizinho”;
“Macaco não olha para o rabo”;
“Pé que não anda não dá topada”;
“Casa de ferreiro, espeto de pau”;
“Por fora bela viola, por dentro pão bolorento”;
“Quem boa romaria faz em sua casa tá em paz”;
“Boca falou cú pagou”.
Estes ditos eram muitos comuns na minha casa; cresci ouvindo isto em muitas situações. Minha mãe tinha, e ainda tem, mania de provérbios, não só ela, minha avó Nieta também se expressava muito com os provérbios. Com o uso deles elas  tentavam educar, a mim e aos meus tios e irmãos; tentavam  mostrar determinadas coisas que à época não entendia direito, porque  sempre achava que quando elas estavam  aplicando algum provérbio em alguma situação  eu estava errada, alguma coisa eu fizera mal feito, ou tencionava fazer malfeito e lá vinha o desgraçado do provérbio a me fazer voltar  à situação anterior,  à realidade, enfim,  desfazia-me as ilusões e colocava-me, outra vez, na minha própria vida, na minha realidade, no caminho, para  as “proverbistas”, certo.

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Uma pequena reflexão sobre pluralismo jurídico no período colonial

Indígenas - Álbuns Santos Rufino
O objetivo da reflexão é questionar se existiu um pluralismo jurídico, em relação a aplicação da justiça aos indígenas, nas colônias portuguesas em África, levando  em conta os meios legais utilizadas para a resolução dos conflitos existentes entre eles, provenientes das suas relações quotidianas e das diversas situações estabelecidas por essas, o que passava pela observação dos  seus usos e costumes.
Esses usos e costumes, desde quando o Código Civil Português de 1867 autorizou a sua observação, apesar da imposição dos limites ali, também, fixados, derivados dos princípios da moralidade e da humanidade nos moldes ocidentais, passaram  a ser fonte legal, autorizada pelo ordenamento jurídico português, de resolução dos conflitos.  Dessa maneira o ordenamento jurídico português reconheceu a norma costumeira, sem, entretanto, institucionalizá-la, ou seja; reconheceu a existência do direito costumeiro, mas não lhe acatou os princípios. Certificou a sua existência, facultando a sua aplicação pelos juízes na resolução dos conflitos envolvendo os indígenas nas suas colônias.
Por que isto foi levado a efeito? Porque verificou-se a ineficácia do ordenamento jurídico português diante das relações sociais envolvendo os indígenas, sujeitos sociais não alcançados pelas leis metropolitanas. O conjunto de leis, tanto materiais, quanto formais, era insuficiente  para resolver  os conflitos resultantes daquelas relações sociais, produzidos pelos desvios de conduta exigidos pelas tradições desconhecidas pelo ocidente, e se conhecidas, não mais utilizadas na atualidade, porque contrárias ao que era tido como civilizado. 
Essa autorização legal para a observação do direito consuetudinário dos indígenas gerou uma ordem plural, imposta pelas circunstâncias e reconhecida legalmente. Um pluralidade legal criada artificialmente pela legislação, a fim de que os colonizadores retirassem das autoridades tradicionais o poder de resolver os  seus  próprios conflitos e pudessem manipular estas tradições, amoldando-as de acordo com os princípios da moralidade e da civilização nos moldes ocidentais.Um processo de aceitação das tradições como forma de enfraquecimento delas e de meio de subordinação dos africanos.
Por que não podemos considerar, como  hoje, esta aceitação da ordem jurídica “costumeira” como um pluralismo jurídico nos termos em que este é, atualmente, considerado, estudado, justificado? Porque o pluralismo hoje está assente na idéia de justiça social, de aproximar a justiça ao cidadão e de concretizar a sua maior característica que é ser, efetivamente,  “justa”. É a aceitação de soluções derivadas do convívio social, que não estão estratificadas dentro do ordenamento jurídico estatal, mas que fazem parte do Estado social como um todo, como meio de resolução dos conflitos  que são gerados no dia a dia e dentro das comunidades.  São condutas que não estão, na realidade, abrangidos pela lei, exatamente por surgirem do quotidiano de situações novas que não estão previstas nas hipóteses legais e que necessitam de uma resposta urgente, não só para que a ordem seja reestabelecida, mas para que a justiça se faça de imediato, de forma democrática, e, por isso mesmo acatada pelos participes dos conflitos. É a certificação da existência de um “direito vivo”, crescente, não estratificado pela lei. Um direito que regula condutas que fogem das hipóteses previstas, e, por isso mesmo, exige soluções outras, que, também, não estão previstas na lei. Observe-se bem, são regulações de conduta sem regulações anteriores, é uma distribuição da justiça em que as  partes interessadas é que criam as suas próprias soluções, acatando-as e colocando  um fim aos conflitos, uma aplicação da justiça que independe, inclusive, do judiciário .
Arquivo Histórico de Moçambique
O que acontecia no período colonial? Primeiramente, o direito consuetudinário, tradicional,  existia  munido da sua própria coercibilidade, compreendida como o medo reverencial ao sobrenatural: quem errava era punido pelas forças ocultas da natureza.  Sempre houve a sanção e os conflitos eram resolvidos no sentido de reestabelecer a ordem e satisfazer o ofendido, por isso mesmo que uma das grandes características da justiça consuetudinária era a sua natureza conciliatória, aliada ao viez indenizatório e à reciprocidade (equivalência entre o  ato e a sanção) das suas decisões. Junte-se a tudo isto o motivo maior da distribuição da justiça, que era a apaziguação das forças da natureza, dos espíritos, que tinham de ficar satisfeitos e demonstrarem esta satisfação através  daqueles que eram os seus intermediários.        
Existindo, anteriormente ao direito  trazido de fora, o direito consuetudinário não foi criado, surgiu e se desenvolveu e adaptou-se  exatamente  pelo convívio social no espaço da comunidade em que ele era observado. Era pronto e acabado, no sentido de existência, quando os colonizadores  chegaram e  era, como todo o conjunto de normas, um instrumento de dominação, de exercício de poder, porque havia a subalternidade entre o detentor do poder, aquele que podia julgar os conflitos e estabelecer as sanções em nome dos antepassados, dos espíritos, enfim, das forças sobrenaturais e os demais membros da comunidade. A sua força era tão grande, que o Estado português se viu forçado a reconhecer a existência  dele e autorizar a sua aplicação, não como forma de distribuição da justiça e nem de resolução dos conflitos de uma forma “justa”, mas como forma de domínio e de manutenção da ordem e da diferença entre  os europeus e os “nativos”, aqui entendidos como os habitantes originários da África lusófona; tanto que o Estado não  acata os princípios do direito consuetudinário, não reconhece, na realidade, as suas “normas”, reconhece simplesmente  a sua existência como forma de resolução de litígios, mas impondo  limites, seja no que se refere às sanções, aos meios de prova, seja em relação às autoridades judicantes. O Estado Português jurisdicionalizou a ordem social indígena para ter um maior controle sobre esta.
Na atualidade o pluralismo é entendido como uma abertura da ordem estatal  no sentido de recepcionar outras ordens normativas surgidas da convivência, das reivindicações dos interesses da coletividade; ele proporciona o surgimento de novas tipificações jurídicas resultantes da pratica reiterada de determinadas ações.
A concepção de uma justiça mais democrática, mas aproximada do cidadão, da comunidade faz parte do próprio conceito do pluralismo jurídico, portanto, nestes termos, não há como assegurar a existência de um pluralismo jurídico no “estado colonial”. Houve sim, uma pluralidade de normas, mas não um pluralismo jurídico como forma democrática de resolução de conflitos.
O monopólio da criação estatal do direito do período colonial foi responsável pelo reconhecimento do direito consuetudinário dos indígenas como fonte de direito, embora sujeita aos limites impostos por esta mesma ordem, e a sua aplicação por todos os agentes  responsáveis, também, era autorizada pela lei, positivando assim a existência  de uma ordem extra jurídica, no sentido de que não fazia parte do ordenamento jurídico português.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Uma dolorosa despedida


São os últimos dias que estará com Portugal e com a sua querida esposa: tem estado triste a percorrer as ruelas e escadas de Lisboa. Continua, depois de oito anos, a descobrir tanta coisa nova, coisas que Portugal esconde muito bem aos olhos famintos dos turistas que procuram conhecê-lo,o que ele quer guardar para si e para os seus. É como se quisesse guardar algumas coisas só para ele, para, juntamente com a sua bela consorte, deleitar-se sem testemunhas.
Está mesmo com a alma doente, ela não se quer ir, mas tem de ir, não tem opções, tudo o que tinha de fazer aqui já está feito, não pode mais prolongar a sua estada. Portugal lhe deu os títulos que ela tanto almejou, mas lhe retirou muita coisa, a exemplo da alegria de retornar a casa. Ela não quer isto, quer ficar aqui, mas  não pode mesmo, não tem quaisquer condições, seja financeira, seja emocional, precisa voltar, ela bem sabe, até porque quer tentar outra vez uma nova vida ao lado de quem pode, ao menos, tentar lhe fazer feliz. 
Tem de retomar a sua vida sem a presença deste amigo. Mas como? Pergunta. Como vai fazer sozinha naquela vastidão que é a sua terra? Com quem vai partilhar as suas emoções?  Com quem se emocionará tanto?  O que irá fazer aos sábados pela manhã, aos domingos à tarde? E na semana? Em que biblioteca, em que centro de saber irá se esconder para crescer? Não, ela não terá mais oportunidades de ir até Cascais ver o mar, ir ao Estoril olhar as pessoas a tomar sol, aproveitando até o último raio possível; enquanto há luz, estão ali estirados ao sol, como se quisessem estocá-lo dentro de si.
Se antes sempre havia uma esperança de retorno, agora, infelizmente, um retorno poderá acontecer, mas jamais ela poderá quedar-se assim, tão perto e por tanto tempo junto do seu grande amigo.
Chora, olha o Rossio, a bela estação se apresenta aos seus olhos, tira foto, não quer nunca se esquecer desta maravilha arquitetônica, olha a Avenida da Liberdade e vê que a sua própria liberdade está fugindo do seu controle, já não pode decidir sozinha a sua vida, tem de esperar pelos outros, não tem mais de onde tirar o vil metal que a faria ficar aqui, vivendo condignamente, morando bem e procurando o saber.
Pensa nisto e olha a “montra” do restaurante “ Beira Gare”; olha as bifanas, os empanados, os”pastéis de bacalhau” os risoles, e tantas outras coisas. Vê as pessoas passarem, turistas, muitos mesmos. Segue o caminho, quer andar em tudo, olhar tudo, ver os detalhes, para não se esquecer de nada. Passa pelo Rossio; o teatro continua ali, imponente. Segue até o Largo de São Domingos, tira foto da Rua das Portas de Santo Antão, lembra: quantas e quantas vezes passou por ali para ir até à Sociedade de Geografia.  Sente uma dorzinha no peito, sabe que dificilmente voltará ali para passar manhãs e tardes procurando nos Boletins Oficiais das Colônias as informações para o seu trabalho. Sente lágrimas escorrendo pela face, quer esconder, mas não consegue, o sentimento é maior que o seu racional.
Olha em volta, o Largo de São Domingos, multicultural como é, está como sempre: bêbados falam sozinhos, discutem consigo próprio o esporte e concluem: "O melhor time do momento é mesmo o Barcelona”, este comentário lhe refaz um pouco, ela sorri e tira mais fotos, muitos negros estão ali; alguns demonstram a sua religião; são muçulmanos. As mulheres estão com as suas vestes típicas. O estampado é realmente bem escolhido, os modelos originalíssimos. Nas cabeças adornadas, mais panos brilhantes e coloridos. É uma festa. Ela tenta se concentrar nestas cores e na alegria que elas transmitem, mas é por pouco tempo, porque a nostalgia, de novo, lhe invade, exatamente pelo fato de que lembra que não mais verá isto.
Resolve andar mais um pouco, entra na rua onde se vende “ouro”, hoje não percebeu ciganos comprando ouro, há muitos negros e indianos, mas não vê ciganos. Pessoas mal cheirosas passam por si, ela hoje nem liga para isto, já não vai mesmo sentir mais estes cheiros, mas há um cheiro mais forte que ela sabe que não vai esquecer, embora saiba que dificilmente sentirá este aroma no Brasil, é o do “carril”, tem indianos que exalam carril do próprio corpo, deve ser de comer tanto com este condimento.
Chega à Praça Martim Moniz. A Praça ganhou beleza, e perdeu os seus habituais visitantes, agora, a praça esta valorizada, e as pessoas  de bem podem frequentá-la.  Acha louvável, mas a tipicidade da praça deixou de existir. Agora a tradicional família portuguesa pode visitá-la sem sustos. Não se sabe o que fizeram com os antigos “habitues” dali: drogados, prostitutas, bêbados.  
Há muitos quiosques na Praça, você pode escolher; petiscos e comidas: africana, brasileira, chinesa, indiana. Há artesanato na Praça,  sempre há música. Na sexta feira, dia 05 de outubro, a Mariza cantou na Praça terminando o show com “Gente da minha terra”, que só ela, mais ninguém, sabe cantar, foi efetivamente lindo.
Isto lhe faz recordar, exatamente, o show na semana anterior em que viu, “grátis
”, Ney Matogrosso em concerto ao ar livre em plena Praça do Comércio em Lisboa.  O cenário não poderia ser mais perfeito: a Praça fica em frente, completamente em frente, ao Tejo, que se fez calado para ouvir o cantor e se preparou para, no dia seguinte, domingo, ouvir e ver a sua encantadora compatriota, a Carminho, e depois Martinho da Vila, dentre outros que por ali passaram também. E ai, pensa ela: onde e como eu farei isto em Salvador da Bahia? De novo sente as lágrimas escorrerem pela sua face, disfarça e tenta enxugá-las por baixo dos óculos escuros com o qual tenta, sem qualquer sucesso, esconder o que lhe vai mesmo ao peito.
O dia seguinte esta lindo, parece que Lisboa não quer que ela vá embora mais triste e não recebe o outono, prolonga a estada do verão de qualquer maneira, está com temperatura de 30 graus e ela decide ir à feira da ladra, é sábado, e, portanto uma bela programação.   Vai ver coisas extraordinárias, adora ir ali. Se tivesse dinheiro e morasse em Portugal, certamente, muitas coisas da sua casa sairiam dali, daquela feira onde se encontra de tudo, do melhor ao pior, do novo ao velho, do antigo a velharias mesmo, do original ao falsificado, enfim.
Passa pela feira, vê relógios, pratarias, pratos que ela particularmente adora, panos indianos, máscaras africanas, fotos, livros, postais, muitas e muitas coisas lindas. Desta vez comprou apenas um elefante pequenino e dois panos indianos, que o homem lhe explica ser um “sári”, ela diz que compra não para usar como roupa, e sim como colcha de cama ou toalha de mesa; os panos são lindos e ela tem de sair apressada da barraca do indiano porque não tem dinheiro e nem espaço para levar estas coisas para o Brasil.
Sai da feira da ladra e entra por ruas nunca antes, por ela, percorridas. E uma nova Lisboa se apresenta nova por ser nunca antes visitada por ela: ruas, ruelas, escadinhas se apresentam, muitas novas Igrejas aparecem em muitos becos em que ela entra e pensa que não conseguirá sair, mas isto é impossível, há sempre uma alternativa.  Anda muito, anda muito mesmo pela Alfama, por seu becos e escadarias; não se perde porque sabe que, em descendo, vai dar sempre no Tejo, o seu guia, o seu companheiro de sempre, que não lhe falta nas horas tristes e de aflição, portanto não se preocupa mesmo, não quer, sequer, saber onde está, sabe que ele vai tá lá embaixo e que algum beco, alguma escadaria, alguma ladeira, vai fazê-la chegar á ele.

Desce tudo, sai em Santa Apolônia, decide que vai a Cascais, anda até o Cais Sodré, quando lá chega lembra que o comboio está em greve, hora de arrumar outra coisa a fazer, recorda, então, de Santa Catarina, e vai até o elevador da Bica. Sobe e pensa em comer um chouriço assado, e é o que faz, toma alguns chopes. Fica ali até mais tarde e resolve voltar, desce em direção ao Chiado, passa pela porta do Consulado Brasileiro na Praça Camões, e continua descendo em direção ao Rossio. É sempre um deleite quando chega à Praça. A vida está ali, a multiculturalidade, tudo enfim, e a sua vida também, só que ali vai ficar um pouco dela, que não retornará junto consigo para a sua terra.

No domingo, como sempre que tem oportunidade faz, vai a "feira do relógio", ela gosta,gosta de tudo, de ver tantas e tantas etnias juntas,  a multiculturalidade resplandece: brasileiros, russos, portugueses, africanos, ciganos, ucranianos,  ali ninguém é estrangeiro, todos comungam um mesmo sentimento e um mesmo objetivo, diversão e comprar  alimentos  mais baratos; roupas, sapatos, perfumes, bolsas de marca, o mundo da falsificação em uma realidade que reina absoluta mostrando a verdade nua e crua. Todos querem ter acesso a uma Lui Vuiton, Prada, Dolce Gabanna, Gucci, etc. Ela não compra, adora ver as "brasileiras" comprando. Vão levar para o Brasil e vão tentar enganar os trouxas, embora ela mesma já tenha  tido  uma encomenda de uma carteira Lui Vuiton, não comprou claro, tem vergonha, sempre achou que se não pode ter a original, certamente, não se falsificará usando uma "falsa".
Novamente ela  volta ao Rossio, é o seu ponto de referência, dali ela vai poder ir para onde quiser sempre, mas não pode ficar o tempo todo na rua e ela tem de voltar à casa.
É inevitável, a emoção toma conta de si e ela caminha lentamente em direção ao táxi, que a levará até Carnaxide, e no táxi, mais uma vez, ela lembra que terá muitas saudades, saudades mesmo, pois em muitos deles ouviu galanteios, não levados a sério mesmo, afinal. . Mas é sempre bom ouvir, embora de maneira não muito elegante, “que você ainda dá umas curvas” e coisas do tipo.
Chega a casa, fica pedindo que a dona da casa não esteja, não é por nada, é porque está mesmo soluçando, e não quer que ela participe desta tristeza.  Chega ao seu quarto e abre à janela, o Tejo está lá, quieto, hoje parece estar triste, não tem ondas, está calmo, fica de lá tentando lhe dar coragem e lhe confortar. Ela agradece, fecha a janela, deita, tenta dormir, afinal, amanhã é outro dia e, quem sabe o seu amigo e a sua esposa lhe façam outra surpresa!