domingo, 19 de agosto de 2012

Brahma e Amor - Combinação perfeita

Mercado Municipal SP

Estava ela sozinha; se dirigia ao Mercado Municipal e depois iria, mais uma vez, cruzar a Ipiranga, ali onde ela confronta com a Avenida São João. Iria ao Bar da Brahma, ia tomar o chopp e comer a feijoada tradicional do dia de sábado. As coisas agora estavam diferentes, nunca estivera no Bar da Brahma durante o dia, só ia ao final da tarde e ficava ouvindo o piano, lá em cima no primeiro andar. Gostava disto. Ficava sentada à mesa ao lado do piano, porque assim poderia pedir músicas ao velho pianista, que ainda usava o terno, possivelmente, do último casamento. Era um senhor dos cabelos ralos, bem magro e que fumava muito. Naquele tempo ainda se fumava, sem qualquer constrangimento, dentro dos bares. 
Tinha uma sensação esquisita. Seria saudade? O pensamento logo se dissipa, não poderia ter saudades, pois quem a levou até ali outrora, certamente, tinha levado tantas outras mais, portanto não precisava ter qualquer tipo de sentimento, quanto pior, saudades.
Entretanto não quer falar do bar da Brahma, quer falar mesmo é do acontecido no caminho para ele.
Baião de dois
Frutas - SP
Entrou no metro soltou na Estação da Sé, pois queria ir ao Mercado Municipal, onde efetivamente foi. Queria ver os bares do primeiro andar, olhar os vitrais do mercado, as frutas arrumadas mostrando a sua exuberância de cores e diversidade de origem. Ficava encantada. Deliciava-se sozinha nesses lugares, sempre foi assim. Adorava passear pelos mercados. O de São Paulo então, com toda a sua imponência e beleza era um dos preferidos. Lembrou-se da Ribeira, ou seja, do Mercado da Ribeira em Lisboa, fraco em relação ao de São Paulo. Fez uma comparação com o de Barcelona, talvez mais “internacional” de que ele, mas não mais bonito.
Não só gostava de Mercados, como também de feiras livres, não tinha qualquer preconceito em fazer tais passeios em dias de sábados e domingos, sempre adorou a fartura, a diversificação, as cores dos alimentos.
Bacalhau-SP
Bom, estava ali no Mercado olhando, o bacalhau. Lembrou-se que alguns portugueses que vieram ao Brasil lhe disseram que não encontravam bacalhau bom, que os que aqui vendiam eram amarelados. Certamente não estiveram no lugar certo, porque aqui tem bacalhau que nada deixa a desejar ao bacalhau que se compra em Portugal, muito pelo contrário.
Foi exatamente nesta barraca do mercado que tudo teve o seu início. Estava sozinha e não tinha com quem comentar o preço do peixe, e aí deve ter falado alto da exorbitância do valor do pacote de bacalhau embalado a vácuo. Quando fez o comentário ouviu:
- Realmente é muito caro, mas não se acha um filé de bacalhau assim toda hora.
Virou-se para olhar quem fizera o comentário:
Um homem alto, moreno, de cabelos prateados estava ao seu lado. Usava óculos escuros e ela não lhe pode ver os olhos.
Comentou alguma coisa, mas saiu do local dirigindo-se a outra banca que vendia bacalhau
Ah, este sim, este esta bom e o preço era um pouco inferior ao do outro. Pediu 2 kg e ia pagar a bagatela de 140,00 (cento e quarenta reais)
- Bem que eu podia ser convidado para o banquete.
Virou-se novamente, e para sua surpresa o mesmo homem estava ao seu lado.
- Sorrindo disse. Impossível, este bacalhau vai para muito longe
- Distância não é problema se o convite for feito. O riso de dentes perfeitos iluminou o rosto daquele belo homem.
- Rindo, diz que é realmente impossível.
- Como impossível? Quem tem de saber se é impossível ou não sou eu que vou ser convidado, pois quem vai ter de se deslocar, procurar endereço, ir até o local sou eu.
Novamente um sorriso. Paga o valor do bacalhau, coloca tudo na bolsa e continua andando pelo mercado, perambulando só, pois não ia comprar mais nada, afinal estava mesmo indo era para o Bhrama.
Para aqui, ali, olha uma fruta com o nome estranho. Compra 100 gramas de gengibre desidratada, come uma, uma maravilha. Percebe, pelo canto do olho, que o homem lindo dos cabelos grisalhos lhe acompanha.
Apressa-se, tem de chegar até, pelo menos, as três no Bhrama, pois queria mesmo comer a feijoada, estava com saudades da couve, da laranja, dos pés de porco, dos embutidos.
Anda rápido para a saída, tá meio perdida, pois não sabe que lado seguir.
- Para onde você vai?
- Quase grosseiramente volta-se e diz:
- Com certeza não é para o mesmo lugar que o senhor.
- Quem sabe? Se você disser onde vai posso estar indo para o mesmo local. Uma coincidência ou uma estratégia: fica por conta do destino.
Acelera o passo. Na verdade não queria dar trela aquela conversa mole, ia almoçar sambar, beber, não havia lugar para devaneios, mudanças de planos.
O homem continua a seguir-lhe.
- Diga aonde vai? Possa ser que eu encurte o seu caminho. Estou vendo que você não é daqui, posso mesmo te ajudar.
- Não obrigada, sei perfeitamente onde vou e como chegar, portanto...
-Não seja assim, você esta sendo grosseira com alguém que quer apenas lhe ajudar e ter o prazer da sua companhia
- Que grosseira o que? Só não quero ser incomodada.
Segue quase correndo em direção à Sé.
De repente pensou. Poxa queria ver direito a cara deste homem, e só havia uma possibilidade, parar e olhar mesmo para ele, e foi que fez.
O homem era mesmo lindo. Moreno, dentes brancos e bonitos, boca desenhada, nariz fino, cabelos grisalhos. Não viu o olho, ele continuava usando os óculos escuros.
Com a sua inesperada reação, o homem fica parado e, parecendo ler os seus pensamentos, tira os óculos e lhe estende a mão: Roberto Garcia.
Ela, não tendo saída, também estende a mão e lhe diz o seu nome.
Surpreso ao ouvir o sobrenome lhe pergunta qual a origem do apelido, ela diz que é da família do seu pai. Passam alguns minutos conversando sobre os apelidos, sobre a família, sobre terras distantes. O gelo foi quebrado, e o homem pergunta se pode, agora, lhe acompanhar.
- Tá bem, mas para onde vou agora não sei se é mesmo o seu caminho, portanto...
 - Se você não disser para onde é, não posso saber se é ou não caminho.
 -Vou ao Bar da Brahma.
 - Como? Você vai para onde?
 - O que você ouviu; Bar da Bhrama
 - Não posso crer, pois estava mesmo fazendo hora no Mercado para encontrar alguns amigos para ir exatamente ao Brahma. Vamos comer a feijoada e ouvir música.
 - Sim, e cadê os seus amigos?
 - Eles sabem que se não me encontrarem no Mercado me encontram lá no Bar.
Praça da República-SP
 - Ela se deu conta que já estava quase na Praça da República, vinha conversando e não percebera que chegaram rapidíssimo.
 Outro momento de nostalgia pura, olhou para o Hotel em frente ao Bar, rememorou muita coisa. O amor, a amizade, o prazer de estar ali acompanhada de alguém que muito quis, e que pensava que lhe queria, mas não podia ficar triste, não podia demonstrar esta saudade assim a um desconhecido, que, entretanto percebeu uma modificação na sua voz.
 - O que foi? Aconteceu alguma coisa? Parece que você ficou triste repentinamente?
Praça da República-SP
 - Não, apenas não consigo perceber como deixam esta cidade ficar desta maneira. A Praça da República tão suja deste jeito, drogados por todos os lados, a água dos lagos turva de uma maneira que não se pode ver os peixes, enfim, o descaso do poder publico em relação ao patrimônio público.
 - Não acredito que este tom melancólico seja só por isso. Acho que tem algo mais de que isto? Vamos lá, diga o que se passa com você.
 - Nada, nada mesmo, é melhor entrarmos, pode ser que o seu pessoal já esteja ai te esperando, por outro lado tenho de arrumar um lugar para ficar, pois estou sozinha como você pode ver, e não vou encontrar quem quer que seja aí dentro.
 Roberto, procurando sua mão disse:
 -Você só vai estar sozinha aqui se quiser. Você pode ficar comigo e com os meus amigos, eles não vão se importar de nenhuma maneira, mas se você não quiser estar com eles pode ficar comigo sozinho, o que até prefiro, pois quero conhecer bem esta mulher que traz tanta tristeza no olhar.
 -Ela sorri e diz que não vai ficar com ninguém, que já estava acostumada a estar sozinha e que isto não era problema.
 Ele insiste e segura a mão dela e vai entrando.
 O bar esta um pouco diferente dos tempos de outrora, quando ela vinha para o happy hour, mas nada que o desfigurasse tanto e não a fizesse retornar a um tempo que já podia ter sido apagado da memória, mas era impossível, aquele lugar realmente lhe trazia muitas recordações mesmo, recordações boas, que insistiam em lhe fazer ter saudades. Era completamente impossível não voltar no tempo.O mesmo trio tocava as mesmas músicas de antes, lágrimas escorreram no seu rosto. Num gesto inconsciente apertou a mão que segurava a sua, o que fez com que Roberto lhe olhasse.
Bar Brahma
 -O que há? Por favor, diga o que você tem? Por que tanta tristeza? Fazendo estas perguntas toca-lhe o rosto tentando limpar-lhe as lágrimas.
 Não adiantava, as lágrimas insistiam em correr, era impossível tentar reter esta emoção. Vira-se para Roberto e diz:
 -Não adianta, não vou ficar aqui, pensei que seguraria esta emoção, mas ela é forte demais. Vou embora.
 - Vai nada. Seja lá o que for, você vai superar isto. Vamos entrar de uma vez. Vamos ficar um pouco na varanda depois entraremos para comer a feijoada e dançar um pouco. Você está muito linda e precisa ser vista, admirada, todos tem de lhe ver e quero fazer inveja aos meus amigos por estar com uma bela mulher como você.
 - Sorriu, tentou enxugar as lágrimas, embora soubesse que a cada passo recordações outras viriam. Era como se estivesse revivendo momentos muitos felizes, eles insistiam em lhe mostrar o quanto ainda o passado estava presente em si.
 A mão forte de Roberto apertava a sua, parecia querer lhe dar força, lhe dar a segurança que ela precisava para entrar ali, estar ali, ficar ali. Podia ser aquele o momento muito importante para quebrar tantos elos que a ligavam a um passado que tinha de ser esquecido, pensando bem, aquele homem tinha caído do céu. Devia ser um anjo enviado de Deus exatamente para cumprir esta missão junto a si,
Entrou definitivamente com passos fortes, altiva, segura, como costumava entrar ali outrora.
- Ei, Roberto. Alguém chama. Ele vira-se e lá estão uns cinco homens, quase todos da mesma idade, uns cinqüenta e poucos anos. Todos com boa aparência e sozinhos.
A mão sente uma pressão mais forte, era como se ele quisesse lhe dizer. Vamos lá, não tema nada, eles não vão fazer mal. Eles se encaminham para o grupo.
Realmente ela notou a impressão que causava. Os cinco parados com uma cara de interrogação que chegava mesmo a dar dó. Ela percebeu isto, embora eles pensassem que evitaram o efeito surpresa, mas efetivamente não conseguiram
- Esta é Jade, uma velha amiga que encontrei no Mercado quando me afastei de vocês. Ela vai ficar conosco, pois está sozinha aqui em São Paulo. Ela não queria, mas eu lhe disse que não havia problema algum, ato continuo foi lhe apresentando a cada um deles, que lhe apertavam a mão e apressavam-se em dizer que não tinha problema algum.
Velhos músicos do Brahma
- A música tocava, os copos de chopp esvaziavam, enchiam, um turbilhão de pensamentos passava pela cabeça dela, que tentava disfarçar todas as emoções. O seu corpo, de vez em quando tremia, tinha um arrepio, e a mão que estava segurando a sua, fazia uma pressão maior.
 As horas passavam, o chopp já começava a fazer o seu primeiro efeito, ela tinha de fazer xixi. Falou com ele que iria ao sanitário.
 - Eu te acompanho. Não quero que ninguém pense que você esta sozinha aqui
 - Não precisa, sei o caminho, é rápido.
 - Nada disto. Não vou dar chance ao destino. Já te encontrei, agora não deixo você mais nunca na minha vida, Esperei durante 57 anos para encontrar você, idealizei tudo, os cabelos encaracolados, a cor da pele, o corpo, a maneira de vestir, de andar, de chorar, a agressividade, tudo. Estou preparado para você e não vou deixar nunca que você saia da minha vida, portanto eu vou com você ao banheiro, todos têm de saber que você esta comigo e que é “minha”
 “ “Minha”, tá doido homem. Sou de ninguém não. Não pertenço a ninguém e detesto esta possessividade. Tenta tirar a mão que lhe prende, mas ele não permite.
 Pede licença aos amigos e diz que vai acompanhá-la até o sanitário. Ela não tem outro jeito que não segui-lo. Ele vai à frente abrindo o caminho na multidão. Ela o segue, ainda resmunga o “minha”, mas vai, começava a gostar daquilo, do jogo, da sedução, do momento.
 Chegam ao banheiro e ele vai para o masculino. O dela tem fila, tem de esperar muito. Quando finalmente, depois de uns vinte minutos, sai do banheiro ele está ali, esperando sorridente:
 - O que houve? Parece que você estava mesmo carregada não?
 -Claro que estava, mas a demora foi porque todas as mulheres parecem ter resolvido ir ao banheiro juntas, no mesmo momento.
 Ele torna a pegar na sua mão e vai, de novo, na frente abrindo alas. De repente ele se vira para ela e puxa-a para si num gesto tão rápido que ela sequer pode esquivar-se. E ali, no meio daquele turbilhão de gente, de pensamentos, de saudades para ela, eles trocam o primeiro beijo de uma relação que duraria para o resto das suas vidas.
Quando chegam junto dos amigos todos sorriem, parecem saber o que esta se passando entre eles.
Uma sensação muito boa a invade. Sente, naquele momento, que tudo tinha acontecido no tempo certo, que ela precisava ter retornado ali, onde vivera tantos momentos bons, para ter a certeza de que o passado tinha ido para o seu lugar, aliás, onde sempre esteve, e que, um grande amor estava mesmo para começar. Deixou-se levar.
Um ano depois deste encontro mudou-se para São Paulo. Está feliz. Vai muitas vezes ao Brahma, já não chora de qualquer lembrança, agora se lembra apenas de viver, viver a vida e agradecer a Deus por ter voltado a esta cidade e ter ido ao Brahma, local onde, por duas vezes, viveu e ainda vive, um grande e imenso amor.


S A Ú D E

domingo, 12 de agosto de 2012

Isto lhe apetece?


Acorda sozinha, o telefone toca muitas vêzes, olha pelo visor e não reconhece  o número e não atende, também, quem estaria lhe ligando as sete da manhã em um sábado? Um número desconhecido, possivelmente um engano, engano que a fez despertar e  ver a sua imensa, intensa e grandiosa solidão.
O computador  é o seu companheiro de cama, é com ele e com os livros que divide a cama de casal; há também a caixinha que guarda os pen drivers, llenos de  seus estudos, devaneios, fotos, sonhos.  Como ja não vai conseguir mesmo dormir mais, aliás, não tem hábito de fazê-lo depois de sete, sempre acorda entre seis e seis e meia,  vai estudar ou escrever, suas duas válvulas de escape  há muitos e muitos anos. Gosta dos dois, mas atualmente prefere  ler, porque os seus escritos não andam bem, as coisas que lhe passam na alma não podem ser divulgadas. Não quer escrever problemas e nem  tristezas, sempre achou que  deveria escrever coisas alegres, ainda que fazendo parte das suas tristezas e história de vida, mas que conseguissem, com muito humor,  fazer com que as pessoas  ficassem alegres e acreditassem nos seus sonhos. Acontece que as suas tristezas a sua história de vida já não tem mesmo graça e ela parece ter envelhecido e esquecido um pouco dos sonhos e do seu bom humor para comentar  as suas derrotas, as suas desventuras, os seus fracassos e  até mesmo as suas  vitórias.
Não está bem, e, por isso mesmo resolve que o melhor é ler. Mas ler o que? Livros técnicos ligados a sua área  científica? Não, não aguenta mais,  precisa mudar o  rumo, esquecer de trabalho, quer ler coisas leves, coisas que  sejam apreendidas rapidamente, nada que  faça com que ela tenha de reler,  ao menos cinco vezes, uma só pagina. Tenta  procurar nos seus alfarrabios alguma leitura, mas não encontra nada que lhe apeteça. Com a palavra lembra de amigos, o que faz com que uma pessoa troque  “agradar” por “apetecer”? Fica com esta pergunta lhe martelando.  Agradar é uma palavra tão bonita, tão sugestiva, tão cheia de amor e de melodia. Por que trocá-la por apetecer que é tão agressiva, o “p” no meio dela já dá o tom do agresivo, do obrigatório do  quase “pornofônico”. Apetecer! Coisinha feia. Tenta  conjugar o verbo, talvez em algum tempo diferente do infinitivo possa  apaziguar  o som, e segue:  eu apeteço, tu apeteces,  ele apetece. Não, não pode ser assim, este verbo  não pode ser conjugado assim. Eu apeteço: eu apeteço o que? Apeteço a alguém. Já não lembra bem como se diz de um verbo que tem de ter um pronome que lhe siga,  ou que o anteceda, para que ele possa ter sentido; deve ser  reflexivo. Pensa ela:   então o verbo apetecer tem de estar acompanhado de alguma coisa, ele não sobrevive  sozinho.  Com o verbo agradar você pode dizer eu agrado à alguém, mas com apetecer fica demasiado feio dizer “eu apeteço à alguém”, puta que pariu! Isto é mesmo um tiro no saco, e já ninguem se aptece de ler uma zorra desta e nem da própria pessoa que se diz apetecer. 
O que fazer então para dizer alguma coisa com este verbo tão agressivo que não pode ser conjugado na primeira pessoa do indicativo? Vejamos bem. Eu apeteço a João:  O que quero dizer? João me quer, João tem vontade de “ me comer”?  Se eu disser, eu agrado que conotações isto pode ter? Vejam bem a diferença: Eu agrado, pode significar: eu sou  interessante e, portanto, agrado ao olhar das pessoas, ao seu “paladar”, aos seus sentimentos. Também posso dizer  eu agrado ao José, ao Mario, enfim,a qualquer um. Eles podem me desejar. Outrossim, posso agradar alguém no sentido de  dar um presente, um carinho,  uma emoção, enfim,  o verbo agradar pode ser tudo: galanteador, doador, amoroso. Pode, ou não, ser reflexivo, porque a ação de agradar pode recair exatamente  na minha pessoa,  eu posso me agradar em fazer isto ou aquilo por mim mesmo ou por alguém.  Apetecer não, apetece tem sempre de ser reflexivo, não dá para conjugá-lo diferentemente. Verbozinho pernóstico, para  a gente poder usá-lo tem que ficar com a “boca cheia de ovo”, dar entonações  germanicas,   metidas,  a mim me aptece ir à praia: depois de tudo isto é melhor não ir, porque a gente já se cansou só de exprimir a nossa vontade e a praia,  que, por certo, não  estará, sequer, receptiva. E quando ele é passado ou será um futuro que não vai acontecer?  A mim apetecia-me ir a praia. Isto é o que?  Voce queria ir e não foi ou você ainda quer ir, está pensando em ir?  O Melhor uso desta palavra é na negativa, porque quando o verbo apetecer é assim aplicado você pode notar, inclusive na sonoridade, que ele é um  verbo  de cariz agressivo, nasce agressivo e morre agressivo. “Não me apetece”! Coisa dura, agressiva, mas não deixa qualquer dúvida em relação ao que se quer expressar, não quero e pronto, não me encha mais o saco!
Pois é, vou parar por aqui, não quero correr riscos de falar tanto de apetecer, sem apetecer à ninguém, e na altura ficar “desapetecida”. Duro não é?

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

A prova oral do concurso


Em 1988 fiz o concurso para Juiz do Trabalho Substituto da Quinta Região que, à época, abrangia o Estado da Bahia e Sergipe. Era mais um concurso que estava fazendo, porque este não foi o primeiro e nem seria o último, afinal, o que eu precisava era mesmo passar num concurso, uma vez que, a advocacia estava difícil, e o escritório meu e do meu companheiro não rendia o suficiente para que nós dois pudéssemos viver do que se qanhava ali, embora ele tivesse outras atividades. Bom o certo é que fiz o concurso, no mesmo ano em que fiz o de Auditor Jurídico do Tribunal de Contas, penso que também o de Procurador do Estado. Anteriormente tinha feito o de Delegado Federal, no qual passei em todas as etapas e fui reprovada, acreditem!  No psicoteste, oportunidade em que soube que era “inapta para o serviço”, o que nunca me saiu da cabeça.  O que eles consideravam inapta para o serviço, nunca soube eu, ainda que tivesse pedido explicações recebendo uma lacônica resposta de que “o resultado do teste é privativo do órgão”, ao que respondi que, por isso mesmo, “o Órgão, que fora analisado era eu e que deveria saber o que se passava com ele, muito mais privativo meu de que deles”.
Enfim: a discussão não foi adiante porque o meu companheiro não deixou, sob o argumento de que eu estava fazendo outros concursos e que esta polemica poderia me prejudicar. Parei de questionar e olhe que escrevi até para o Ministro da Justiça, um que tinha no final o nome de Lira, se bem me lembro, e era de Pernambuco, mas confesso que fiquei indignada. Então eu era inapta e não sabia o motivo. Bom o certo é que, no mesmo ano de 1988, eu fui aprovada no Concurso para Auditor Jurídico do Tribunal de Contas do Estado da Bahia e estava passando no de Procurador do Estado, até o momento em que, na prova de direito do trabalho, perguntaram algo sobre dicotomia no direito do trabalho, se não foi assim, foi algo semelhante e eu que não sabia a resposta, e sabendo perfeitamente o resultado disto, coloquei na prova que nunca tinha ouvido falar daquilo, o que era realmente verdade. Claro que neste concurso eu dancei feio, embora, no somatório dos pontos, tenha alcançado valor maior de que muitos que foram aprovados. 
Isto agora não vem ao caso, porque estou mesmo a falar do concurso para Juiz do Trabalho, em que logrei aprovação à duras penas, senão vejamos:
Fiz a primeira prova, aquela geral com não sei quantas mil matérias e de múltipla escolha. Consegui a aprovação e fui fazer a segunda prova: cinco questões discursivas (dissertativas) sobre Direito do Trabalho, Direito Processual do Trabalho, Direito Civil- Parte geral e Obrigações, e já não me lembro, acreditem, qual a outra prova, acho que Direito Processual Civil. O certo é que passei desta fase, graças ao Ato Jurídico e ao livro do Dr. Orlando Gomes. Aí veio a terceira fase, a da sentença; acreditem se quiserem, nunca advoguei na área trabalhista, fui a uma única audiência naquele fórum e pasmem, para Embargos de Terceiros, que nem eu e nem a julgadora sabíamos bem o motivo e nem o que seria feito, resultado, encerrou-se ali mesmo. A prova totalmente documental: discutia-se a propriedade do bem que garantia a penhora, nada, além disto, mas alguém, certamente para escapar de mais um julgamento, decidiu que deveria haver uma audiência e pronto, e lá vamos nós, advogados e juiz com caras de bestas.
Pois é, sem nunca ter feito audiências na Justiça do Trabalho, sem conhecer a pratica da coisa, sem nunca ter visto decisões trabalhistas, a não ser, quando duas semanas antes do concurso tomei emprestada a pasta de decisões da minha vizinha de escritório, que trabalhava com ações, na sua grande maioria, de petroleiros embarcados. Li muitas delas e observando toda a formalidade da decisão, relatório, fundamentação, conclusão me preparei para a tão temida prova. Li tantas decisões que, quando da prova, no momento em que vi o caso, tive uma crise nervosa, pois naquele momento tive a consciência plena de que passaria no concurso: pois não é que realmente caiu na prova uma questão sobre trabalhadores do petróleo!
Venci esta etapa, mas aí vinha o que para mim era o mais difícil, a prova oral. Odeio falar em público, continuo com este trauma, não gosto mesmo, não fico a vontade, tremo dos pés a cabeça, etc. etc., mas a porra da prova tinha de ser feita, do contrário; eliminação do concurso e eu não podia me dar ao luxo de colocar tudo a perder agora. E lá vou eu no dia designado para sortear o ponto. Cada três candidatos  tinha um ponto para dissertar. Ficamos eu e mais dois, um candidato do Rio de Janeiro e uma da Bahia, que era funcionária da justiça. O ponto tinha Direito das Obrigações, uma questão de direito do trabalho e uma de direito processual do trabalho, eu penso que era isto.  A prova era no dia seguinte ao sorteio do ponto, se bem me lembro, ou dois dias depois, já lá se vão os anos. Li Pontes de Miranda e Orlando Gomes como nunca, aquilo tinha de ficar na minha cabeça de qualquer maneira. Princípios processuais do direito do trabalho e lá se vai.
Chego cedo à prova, candidatos encerrados numa sala, os dois outros lendo ainda, tentando o que já não mais podia ser tentado: naquela tensão, naquele momento, nada que fosse lido seria aproveitado, o que já fora captado ficava o que estava sendo lido naquele momento não faria mais nenhuma diferença, isto na minha concepção. De repente vejo que eles estão falando de uma coisa que eu não estudei,  e eu pergunto:
“- O que é isto que vocês estão falando?”
Eles, incrédulos, olham para mim e dizem: -“ Isto é assunto do nosso ponto sorteado”.
- “No de vocês, porque no meu não tem isto não”.
 Os dois param e me olham:
- “Esmeralda, você tá doida, então nós três temos o mesmo ponto e você diz que no seu não tem este item!”
 Bato pé firme dizendo que não. Quem estava certo? Claro que eles dois, a maioria vence, e eu me vi ali encolhida, lenhada, a minha vontade era largar tudo e ir embora. Comecei a tremer, a me desesperar, disse que ia embora, mas uma funcionaria, que fazia parte da comissão do concurso, não deixou e ficou ali comigo o tempo inteiro, me dando força, até que eu ouvi o meu nome sendo chamado. Entrei naquela sala do antigo tribunal como se fosse para a forca; não sabia como me portar. Primeiro tinha gente na sala, a prova era pública, segundo ia mesmo ficar ali diante daquelas feras todas, que iriam me trucidar mesmo. Resolvi começar a prova pelo final e foi o que fiz, tomei toda a coragem do mundo e sabendo que minha voz estava completamente diferente demonstrando todo o nervosismo que se apoderou de mim, disse que gostaria de começar pelo último ponto, e foi o que fiz: as ações mandamentais, falei o que foi possível e o que me lembrei; no estado emocional em que estava já não obedecia qualquer roteiro. Lembro-me de ouvir batidas fortes em madeira e  descobri que era eu mesma que estava dando pontapés  no púlpito pelo lado de dentro, pensem aí a merda! Bom, falei sobre os dois primeiros pontos e depois, não sei onde arrumei forças, disse dirigindo-me ao júri que não iria responder à terceira questão porque eu não tinha condições. Ai veio o que menos esperava:
- “Nós já sabemos o que aconteceu, mas temos certeza que a senhora está preparada para responder as questões, pois a doutora esta passando num concurso, que não é fácil e tem, pois, capacidade de responder sobre o ponto”.
Ato contínuo, começaram a fazer perguntas.   Na banca o catedrático “Pinho Pedreira”, Um juiz, e mais o representante da OAB, o fiel da balança. Rapaz eu nunca tremi tanto, choviam perguntas de lá e de cá, imagine que o nervoso não me deixou responder o que distinguia a Justiça do Trabalho dos demais ramos da Justiça, pergunta feita pelo Doutor Pinho Pedreira, que já começava a ficar mal humorado. Gente acredite em Deus:  deu um branco total, e a reposta simples: a presença da representação classista, apenas isto, e eu não me lembrava de maneira alguma.  Daí para frente eu não sei mesmo o que aconteceu, pois o Dr. Pinho Pedreira acho que se zangou e mandou ver, me deu uma aula de direito do trabalho e de representação classista, eu fiquei ali ouvindo, na verdade achando ótima aquela demonstração de competência e saber, que também servia para gastar o “meu tempo” de prova. Quando o Dr. Pinho se deu por satisfeito, mais perguntas dos outros examinadores, tudo sobre o ponto que eu não havia estudado, e aí eu comecei a jogar, já tava na merda mesmo, portanto daqui para frente só lucro, aí, quando o “da balança” me perguntou alguma coisa eu me dirigi a ele e lhe questionei:
-“O senhor não esta satisfeito com a aula do Dr. Pinho, que já respondeu esta pergunta?” e fui levando assim até que o presidente da comissão disse que o júri estava satisfeito e dispensava a candidata.
Olhe, eu não sei bem como consegui sair dali, mas a sorte estava lançada e o jeito era esperar, mas aí veio a primeira levantada de ânimo. Uma Juíza mais antiga tinha assistido a prova e chegou junto a mim, diga-se de passagem que eu nunca tinha falado com aquela senhora antes, e me disse:
-“Não se preocupe, você, mesmo não respondendo sobre o terceiro ponto, foi muito melhor de que muitos que já se apresentaram aqui, tenha a certeza”.
Bom, isto me serviu mesmo de consolo.
Logo em seguida o “da balança” chegou junto a mim e pergunta:
- “Qual o seu Estado”?  E eu respondo sem pestanejar: - “Normal”.
 O homem olhou para mim e deu uma crise de riso, ele ria tanto que mal conseguia falar, e eu ali olhando com a cara de besta aquele riso que eu não conseguia entender.
Quando ele conseguiu controlar o riso vira-se para mim e diz:
 “- Doutora, eu estou perguntando de onde a senhora vem, qual o seu Estado?”
  Aí foi a minha hora de cair na risada: eu olhava para ele e ria, já estava vermelha de rir e de vergonha, mas consegui responder: “Bahia”.
 A pergunta do examinador tinha sentido porque ali estavam muitos candidatos de outros Estados, mas eu só associei ao estado emocional.
Pois é, tirei cinco, a menor nota que tive em todo o concurso e a mínima para a classificação, menos que isto seria eliminada. Passei no concurso, aumentei a classificação que despencara, de 14ª lugar para 23º, com a prova de título, ficando classificada em 21º lugar. Daí para os exames médicos, período em que houve um bochicho que alguém teria perdido o psicoteste: adivinhem quem os demais candidatos pensaram que fosse? Eu claro! Todavia enganei todos, não fui eu não, eu consegui passar em tudo e pouco tempo depois fui chamada, tomando posse em 22 de fevereiro de 1989, mas o exercício da judicatura será motivo de outras conversas.
Entretanto,  não posso deixar de dizer uma coisa, a minha prova foi assistida por um grande e fiel amigo que me acompanha desde o tempo do colégio da Bahia, onde fizemos o curso cientifico, ele um grande advogado, com um único defeito de ser "petista". Ele, em 1993, passados, pois,5 anos da minha prova, me deu um presente: um livro  de Américo Plá Rodrigues. - Princípios de Direito do Trabalho  com a dedicatória:  " Dra. Esmeralda. Quando chegar  ao final desde livro verá porque a lembrança: é na distância, no tempo e no espaço, que se confirmam o afeto e o apreço" 28.08.1993,São Paulo".  Só tenho mesmo é que agradecer.