domingo, 17 de junho de 2012

Folhas Secas


Olá meu amor!  Bom dia! Tudo bem com você?Comigo não está.
Acredite: sabe o que encontrei hoje?
Ah!Sei que não vai acreditar, mas é verdade. Encontrei duas folhas de marple.
- Marple?, Você não lembra o que é marple? Nem acredito! Marple é aquela árvore enorme do Canadá, da qual fazem aquela espécie de “mel” muito comum naquele país e que está na bandeira canadense, ou será canadiana?
-Onde estavam estas folhas?
Ah, você nem vai crer, aliás, até pode duvidar, mas se algum dia lembrar a época que fomos aos Estados Unidos e Canadá, você vai recordar; lembra que eu estava começando a minha licenciatura em História na Universidade Católica? Já lá se vão 17 anos, é muito tempo.
Ah! Você não lembra? Nem acredito, puxe pela memória e você vai lembrar-se da nossa viagem.
Sim meu amor, nós fazíamos viagens na companhia de amigos, e quantas vezes o fizemos.
Foi engraçado: nesta viagem todos se divertindo muito, mas eu estava centrada em ler  o Código de Hamurabi e as Cartas de Hamurabi, ninguém entendia porra nenhuma, mas eu tava lá dentro do ônibus lendo, lia tanto, que o povo  começou a ficar chateado comigo.Eu pouco tava me ligando, porque, quando retornasse, teria de fazer uma apresentação na faculdade sobre os dois livros, O Código de Hamurabi e as Cartas de Hamurabi: assim a leitura tinha de ser atenta, cuidadosa.
Lembra de um casal do Rio de Janeiro, que queria comer pastrame de qualquer maneira em New York? Eu lembro, eles eram meio chatinhos. E daquele outro casal que era do Paraná ou Santa Catarina; já não me lembro de direito. Recorda que eu coloquei o apelido em um cientista que estava conosco de “Einstein” e ele mais a esposa riam muito disto. E aquele outro casal de jovens que gostava muito de fazer brincadeiras de mau gosto, mas não gostava quando alguém pegava pesado com eles?
Pois é, as folhas de marple estão no meu livro de Hamurabi. Quando as encontrei foi como se eu entrasse num túnel do tempo, retornando a um período em vivi feliz junto com você curtindo toda aquela viagem; era assim que vivíamos, talvez eu tenha sido mesmo inocente e achasse que aquilo era mesmo a felicidade e que tudo estava correndo bem.
Recorda que nós fomos ver, no Canadá, o Fantasma da Ópera, lá em Toronto e que depois nós fomos a um local que tinha vários restaurantes e eu tive que sair às pressas porque fiquei com dor de barriga, só que não sabíamos que a cartelinha que tinha sido dada na entrada tinha de ser devolvida na saída e que foi um Deus nos acuda da zorra?
Não acredito que você tenha esquecido de tudo isto! Temos coisas de nós dois que nunca poderemos esquecer, estejámos onde estivermos e com quem estivermos, porque tudo o que vivemos foi muito verdadeiro, muito bonito, muito real. Éramos tão cúmplices e tão invejados, as pessoas queriam estar perto de nós e algumas até ser como nós.  O seu cuidado para comigo, a sua preocupação em não deixar que ninguém me sacaneasse. Você sabia da minha maneira, do meu jeito, das minhas invocações por besteiras.
Quando chegamos a Niágara Falls e encontramos a loja da Ralph Lauren, que festa que você fez.  O seu blusão de couro tá aqui no armário até hoje, ele parece querer perenizar esta viagem, porque tantas coisas já foram dadas, tantas jogadas fora, e ele ali, quietinho, no cabide, como se tivesse se escondendo, sem querer sair deste esconderijo para abrigar outro corpo, ele, também, é fiel a você.  De vez em quando ainda fico procurando o defeito para ele ter sido vendido com desconto.
E a bebida dentro do ônibus quando fomos passar a fronteira para entramos no Canadá! O guia dizia que era proibido levar bebidas, mas você não tinha jeito mesmo, você conseguiu até mesmo comprar um “isopor” para colocar as bebidas e todos aderiram à ideia.
E Montreal hein! Que coisa maravilhosa, aquela cidade subterrânea onde tomamos um licor que até hoje ainda procuro, SAMBUCA. O licor era italiano e o dono do estabelecimento também. Quantas camadas pegamos. Quantas coisas lindas vimos e vivemos, eu ficava encantada quando deixávamos o quarto do hotel e ao chegarmos ao lobby e descermos uma escada e pronto: lá estávamos nós na cidade subterrânea, protegidos do frio e com todo o conforto do mundo.
Otawa meu amor! Você lembra de como eu fiquei assustada com o pessoal das motos? Aqueles caras todos tatuados com cada moto gigante, mal encarados e que pareciam sujos e saídos de algum filme americano. Sim, tive medo mesmo e queria ir embora logo dali, embora o local tivesse muitos e muitos restaurantes e eu lembrava, não sei por que, de Popye, acho que eram as tatuagens dos motoqueiros, verdadeiras gangs com cada moto que tirava o fôlego.
Em Toronto eu comprei um livro sobre o império romano e, quando vi as folhas do marple dentro de Hamurabi, lembrei-me que eu também tinha colocado várias folhas dentro daquele livro, e fui olhar. Pois não é que as folhas estão perfeitas. Inacreditável, diversos tons e tamanhos.
Recorda da minha emoção andando pelas ruinhas de Quebec  na “Old Quebec" entrando em lojinhas que pareciam mais europeias de que canadenses, aliás, uma cidade qualquer francesa ali estava, com as casinhas com flores nas sacadas, com ruinhas  estreitas, um funicular, tudo lindo e perfeito. Era época de eleição, e o Jean Chrétien (acho que é assim que se escreve) era um forte candidato.  Também iam fazer uma espécie de plebiscito para saber do povo se queria mesmo a separação de Quebec do resto do país. Lembra-se de uma senhora que falava comigo em inglês e você dizia que eu sabia falar francês, aliás, você dizia algumas palavras nesta língua, era mesmo muito engraçado.    
É, lembro-me de tudo! As folhas de marple me fizeram voltar, me fizeram reviver um lindo momento nosso tão distante e tão próximo. Nosso amor está seco, não tem mais seiva, mas não adianta querermos apagar o que se passou, não dá. Muita coisa, muitos sonhos, muitas realizações, hoje a mim trazidas pelas rugas das folhas secas de marple presas dentro dos meus livros, amigos atuais que não se desgrudam de mim. As folhas secas mostram que já tiveram vida e que, ainda que secas, conservam a beleza e tem consciência do que representam. Como nós, estão velhas, já não tem mais a seiva que faziam com que brilhassem, mesmo depois de caídas no chão em várias partes do Canadá, mas mesmo enrrugadinhas elas se conservam ali, quietas, sabendo o seu verdadeiro papel, que é, exatamente, fazer lembrar o que representamos um para o outro, o que somos um para o outro, que nem mesmo a distância, e nem algumas novas e clorofiladas folhas, vão conseguir desfazer. Elas tem a sua história, a sua memória e por isso mesmo tem o respeito de todos; significam toda uma vida, um passado, que, se muitas pessoas preferem esquecer, outras, como eu, quero lembrar sempre, pois tudo o que passei de bom e de ruim, resultaram nesta pessoa que hoje sou.
Guardem, pois, as suas lembranças, ainda que sejam folhas secas, porque elas representam a vida que já existiu em cada um de nós e que nos fizeram evoluir até chegarmos ao que hoje somos.

sábado, 9 de junho de 2012

O domingo e as sacolas da esperança



Talvez estar ouvindo Anísio Silva me tenha trazido esta nostalgia. Acho que não, entretanto, ajudou muito.
Estava andado pela manhã e pensando: Hoje é sábado, véspera do domingo e me vi ao tempo em que, para nós, eu e a minha família de cinco irmãos, em que o sábado era prenúncio de um domingo com comida. Isto mesmo: comida, coisas diferentes e dia de suco ou então de refrigerante, que era o guaraná Fratelli Vita. Alguns podem até achar que isto é brincadeira, que até mesmo estou inventando o nome da marca de refrigerante, mas não é não; esta fábrica de refrigerantes existiu durante muito tempo em Salvador- Bahia, na cidade baixa, ali pelo Caminho de Areia, acho que é este o nome da rua: sei que ficava perto do largo de Roma, na ligação entre este largo e o da Boa Viagem, eu adorava o guaraná e minha mãe gostava muito era do de limão.
Quando morávamos em Camaçari, já lhes disse isto, o sábado ainda era mais importante para nós porque era o dia em que meu pai voltava do trabalho. É que ele trabalhava, dizia ele, numa padaria em Madre de Deus e só aparecia nos finais de semana, embora não todos.  Quando ele vinha o negócio era mesmo bom, apesar de tomar porrada, eu e Tininho, em função das queixas de minha mãe, que não se contentava em nos lapear todos de cipó caboclo, ainda queria que meu pai aproveitasse os dois pedaços de carne tenra e tirasse a sua lasquinha, apanhávamos, mas tínhamos a certeza que íamos comer melhor, embora o feijão e o arroz estivessem no cardápio igualmente  a todos os outros dias da semana, isto é: quando ambos se encontravam, teríamos uma galinha, um bife, um bacalhau desfiado, daqueles bem fininhos, mas teríamos. Além disto, também, podia aparecer aqueles pães doces com formatos variados, “jacaré”, “peixe”, “trança” etc. Era uma verdadeira festa.
No domingo, tínhamos também direito a ouvir música no velho “aparelho de som de meu pai”, um “pick up” que era colocado em cima do antigo rádio, que pegava ondas médias e curtas, inclusive estações de radio estrangeiras.  Meu pai fazia umas ligações atrás do rádio conectando o “pick up” ao alto falante dele, e o som fanhoso dos discos de vinil (Bolachão) começava a sair.  Meu pai era o único que colocava os discos para tocar, ai de nós de pegássemos nesta porra, se a agulha arranhasse algum dos seus discos, o pau comia. Minha mãe não deixava mesmo, quando meu pai saia para retornar ao trabalho, ela cobria o “pick up” com um pano e ele jazia ali, inerte, até a volta do seu “bolinador”. Meu pai tratava o bicho num carinho da porra, tínhamos sempre uma agulha reserva, porque a música não podia faltar mesmo, com toda a miséria ela nos alegrava.
Se meu pai estivesse de bom humor e não ficasse bêbado de vinho de garrafão de cinco litros, que ele tomava feito água, e nós tomávamos como suco de uva, depois de devidamente misturado com água e açúcar, ele dançava com nós duas, minha irmã mais velha e eu. Ele nos colocava em cima dos seus pés e ia nos levando sala afora, na hora da virada era que era uma merda, a gente sempre se desequilibrava e caia e ele se retava, mas foi assim que aprendemos a dançar o passo doble de que ele tanto gostava.
Foi com este som fanhoso  que aprendi a gostar da Orquestra “Casino de Sevila”, uma orquestra espanhola, que  tocava  muitos passos dobles. Havia uma linda e triste música que sempre me dava uma grande tristeza, embora eu não entendesse perfeitamente o motivo, só entendi tanta dor que sentia no peito, à época, quando, mais velha, percebi o que era mesmo a vida de um emigrante, que deixou a sua terra sem ter qualquer perspectiva de a ela retornar, como aconteceu com o meu pai, seu irmãos e a família (tia Palmyra e tio Augusto – meus padrinhos) que trouxeram-no da Espanha aos treze anos de idade. A música é linda e chama-se “El Imigrante”, quando o cantor diz “Adios me España querida dentro de mi alma te llevo metia, aunque soy un emigrante, jamás em La vida yo podré olvidarte.... Yo soy un emigrante y traigo a esta tierra extraña em mi pecho un estandarte, con la alegria de España, con mi pátria y com mi novia, y mi virgin de “Sani”, y mi rosário de cuentas yo me quisiera morir”. Ouvi esta música muitas vezes, continuo me emocionando todas as vezes que a ouço, pois comprei o CD.  
Bom, o fato é que o domingo, quando meu pai estava trabalhando, porque ele passou algum tempo completamente desempregado, época em que comíamos o que estivesse pela frente: de abacate verde a papa de farinha de mandioca com água e sal, e ainda assim tínhamos de agradecer, nós ficávamos mesmo felizes. A felicidade, à época, era exatamente isto: termos comida. Quando víamos meu pai aparecendo na esquina da rua onde morávamos carregando sacolas, a alegria estava estampada nos nossos rostos, nos nossos os de seus filhos, quanto no dia de minha mãe, que, mesmo passando tanta necessidade, sempre esperava ansiosa a chegada de meu pai, ao menos ela tinha mais um alento além da comida, nesta noite, se ele não chegasse já “comendo água”, ela podia ter uma esperançazinha que faria um pouco de sexo, que ela sempre gostou, nunca escondeu isto. Eu a ouvia diversas vezes  conversando com as amigas lá de Camaçari a respeito das suas caminhadas sexuais noturnas com o “Espanha”, que era safado mesmo, Ele é ibérico e não nega a raça, vide Julio Iglesias que também é da Galícia, o pai dele, e muitos outros ibéricos que conheci durante a minha vida. Acho que esta região da Europa se vinga das dificuldades que passaram e passam com muito sexo, em surdina, quase escondido, porque como eles também são muito religiosos, tudo tem de ser feito mesmo é dentro das quatro paredes, isto nas pequenas aldeias, onde ainda hoje as mulheres vestem preto e falam de sexo somente entre si, quando estão reunidas.
O fato é que aquelas sacolas que faziam meu pai chegar torto do peso e da cachaça, eram as nossas fadas, lembro perfeitamente delas, de nylon com listras de diversas cores, elas transformavam os nossos domingos em dias de festas.
Pois é, pensei que nunca mais teria uma sensação destas, ficar feliz por ter comida, mas o incrível é que tive, não em relação a mim mesmo, mas vi uma mãe de família que conheço, estar radiante porque ela tinha chegado do supermercado onde tinha comprado a carne para todo o mês, não se importava ela de não ter conseguido comprar mais nada, mas a carne estava garantida, e ela estava mesmo muito feliz e agradecida a Deus, era mais um mês que eles não teriam qualquer necessidade em termos de comida, o resto eles resolveriam, mas a comida ali estava.
Sorri diante daquela felicidade, sorri, mais ainda, quando ela com o brilho no olhar abriu a geladeira e me mostrou toda a compra feita e realmente me reportei ao tempo em que a nossa felicidade, a minha e da minha família, era ver as nossas “fadas” dobrarem a esquina nos trazendo a certeza de dois dias, ao menos, de fartura, e nos dando a certeza de que sempre existiria um arco íris igual ao das suas listras para que nós tivéssemos forças para aguentar os dias que pensávamos que nossas barrigas não suportariam o roncar das tripas, que já não aguentavam mais água e farinha e manga verde de sobremesa.    

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Vó Mera! Ou uma mera vó?


Quando meu filho disse-me que eu ia ser avó, comentei o fato com algumas pessoas amigas, uma delas me perguntou: “Você vai ser uma avó mera, ou uma mera avó?” Todos riram muito, isto é; quem estava presente no momento, que aconteceu na casa de um meu grande amigo, sei que aquilo fora uma brincadeira, mas eu fiquei com aquela pergunta, que não obteve resposta de minha parte, por muito tempo na cabeça.
O meu neto nasceu, e só aí foi que percebi o que era mesmo ser avó. Ele nasceu com problemas, não respirou e teve de ser entubado, o pequenino passou 45 dias dentro da UTI do hospital, sem poder se deitar, alimentando-se por sondas. Tinha ele de ficar sentado o tempo todo, o bichinho ficou todo furado, a cabecinha fazia pena, os médicos pegavam as veias por ela.  A criança sofreu muito, pensávamos que ele não iria resistir. Era uma tortura para nós que não podíamos estar no hospital durante todo o dia.  As visitas eram as 09h00min da manhã, acho que por uma hora, e às 17h00min, também por uma hora, na parte da tarde.
Eu trabalhava e não podia estar lá durante todo o tempo, fazia visitas esporádicas, mas ficava todo o dia em estado de tensão.  Pela primeira vez em toda a minha vida profissional, informei aos funcionários da secretaria que atenderia ligações de meus familiares, mesmo estando em audiência, o que nunca acontecia, pois acho que somente em caso de extrema necessidade é que uma audiência pode ser interrompida para um Juiz atender um telefonema, mas o caso merecia, eu era a vó mera, que estava preocupada, temendo pela vida do neto, e pela sorte do meu próprio filho, porque eu não sabia como ele reagiria se acontecesse o pior.
Quando estive no hospital pela primeira vez fiquei impressionada com a força dele, mas ele não queria parecer fraco diante da mulher, que não podia ficar perto do filho,mas ele estava arrasado.
Àquela época os dois, bem como a família da mulher, frequentavam um centro espírita, ou melhor, faziam orações, preces, sei lá o que, sendo que a mentora residia fora de Goiânia, e ela disse-lhes que uma pessoa deveria ser indicada para fazer, por ela, um passe na criança, mas era necessário uma pessoa forte, e ela não via ninguém na família da mulher do meu filho para fazê-lo e sugeriu que fosse eu a realizar isto, era como se eu fosse uma intermediária entre ela, o espírito, e a criança. Confesso que não gostei da ideia, até porque não acredito muito nas coisas, e por isso mesmo, achava que eu não iria conseguir, mas, como assumidamente eu era a Vó Mera, aceitei a incumbência; afinal, era a vida do meu neto que estava em jogo, e lá fui eu na hora marcada, concentrada a dar o passe. O negócio foi tão brabo da primeira vez, que eu não conseguia manter as mãos em cima da criança, foi necessário que duas pessoas me ajudassem, segurassem os meus braços para que as mãos pairassem no corpinho do pequenino.
Fiz o que me mandaram diversas vezes, e sempre a reação era a mesma, eu não conseguia ficar com as mãos em cima da criança, e alguém realmente tinha de me ajudar. O fato é que, acreditando ou não, fazia a coisa com boa vontade e até mesmo com fé, e, por isso mesmo, não fazia somente nele, ainda dava tais passes em outras crianças que estavam na UTI, embora o fizesse sozinha, com outras crianças eu não precisava de ajuda, as minhas mãos percorriam todo o corpo dos bebés, sem qualquer problema.
Meu neto conseguiu sair desta, ficou um bebê bonito, mas que necessitava de muito cuidado, quando foi para casa tinha de dormir quase sentado, porque se ele tivesse qualquer problema e engolisse vômito ele poderia ter problemas respiratórios e voltar para a terapia intensiva o que não queríamos, por isso os seus jovens pais se revezavam junto do berço durante toda a noite. Bom, o garoto venceu tudo, ficou lindo, foi crescendo embora com algumas sequelas, não há qualquer mês do ano que ele não tenha uma gripe violenta, tosse muito, fica muito ruim mesmo. Também tem um problema de vista e usa óculos desde  criancinha, o que lhe deixa, quando sério, com uma cara de intelectual danada, embora ele não seja nem um pouco parecido com isto. Estuda porque realmente não tem jeito, o faz porque a sua mãe é mais de que diligente; está cursando, hoje, a sétima série, e tem 12 anos, no ultimo aniversário me disse que vai fazer medicina, espero que sim, a família dele já tem muito advogado: vó, avôs, pai, madrinha, primos, tios; é melhor mesmo seguir outro rumo.
Fez aniversário em maio e estive com ele, está um rapazinho, embora ainda conserve grande parte da sua inocência, faz muitas brincadeiras parecidas com as do seu pai na sua idade. Adora dar beliscões na bunda dos outros, tem um riso gostoso e uma fala bem rouca, às vezes, acho que ele nem vai conseguir acabar a frase. Brinca, ele e o pai, como duas crianças, é mesmo uma relação de muito amor. Tem um grande orgulho do seu avô materno, que ele diz com muita graça: “é desembargador nê?” fazendo alusão à pessoa importante e com dinheiro, pensando ele, ainda na sua inocência, que um desembargador é rico.
Gosta das branquinhas, que são as vacas da fazenda do avô, diz que já tem bezerros, é engraçado. Gosta de música sertaneja, e de rock, pense aí! Aprende violão, judô, deixou o inglês, mas certamente vai voltar. Adora comer, e come muito. Já foi ao Louvre, ao Museu de Cera em Londres, na Torre Eiffel, no Chile, Amsterdã, dentre outros lugares, e gosto de ouvi-lo falar de tudo que ele viu.
Pois é, esta coisa maravilhosa nos meteu hoje um grande susto, recebi uma mensagem as quatro e pouco da manhã, informando que ele estava internado no hospital e que os exames indicaram uma “lifonomegalia no mediatino de 2 cm”. Rapaz, só a zorra do nome da coisa me fez dar um pulo da cama, imaginem a aflição da Vó Mera? Falei com o pai, que estava preocupado, mas estamos, tanto eu quanto ele, a muitos kilometros de distância do nosso menino. Corri para a internet para saber o que significava aquilo, era melhor não ter procurado. Me apavorei, a coisa é tão grave quanto o nome sugere. Fiquei mesmo aniquilada, e agora entendo perfeitamente, mais uma vez, o que significa ser avó. Que dor, que sentimento ruim meu Deus. Com uma porcaria de um diagnóstico deste não dá para se pensar em nada bom e a distância aumenta tudo, até mesmo a gravidade.
O dia passou lento, ele foi dopado, segundo a mãe, para evitar sentir dor, felizmente o diagnóstico mudou um pouco, penso que menos grave, mas preocupante da mesma maneira.  Tudo causado por uma virose. Um nódulo se alojou em algum lugar do organismo e  pressiona a vesícula o que origina a dor, razão de ter ido parar no hospital e ter feito o tal exame que deu o resultado acima. Os médicos estão tentando com remédios deslocar o nódulo que esta pressionando a vesícula, se não conseguirem ele tem de ser operado ainda hoje, por isso mesmo está sem comer e sem beber água, o que é um grande sacrifício para quem adora comer.
Felizmente o nódulo se deslocou e o risco de uma operação foi dissipado, pelo menos no momento, mas ainda assim estou aflita, afinal sou mesmo a sua Vó Mera.

sábado, 2 de junho de 2012

ÍTACA

Sim, um dia, com certeza, chego lá, é uma das minhas “ítacas” conhecer Ítaca, uma ilha jônica na Grécia, de onde saiu Ulisses e para onde voltou, depois de vencer as suas batalhas. Segundo a lenda, Ulisses só voltou à sua ilha  depois de dez anos de suas vitórias e depois de uma longa caminhada.
Por que demorou tanto ele para voltar à Itaca? Certamente para saborear  com todo o requinte este retorno, para que ele fosse realmente uma vitória pessoal, porque para voltar à sua serenindade, à sua tranquilidade, para realmente dar valor à sua ilha, Ulisses lutou muito, enfrentou obstáculos, aprendeu bastante, realizou muitas coisas, mas no final voltou para a sua amada, Penélope,  que ficou na Ilha esperando-o.
E você? tem lutado para alcançar a sua Ítaca? Não tenha pressa, mas não seja tão paciente para ficar apenas esperando.  É necessário trabalhar, aprender, traçar objetivos, idealizar um caminho, seguir uma estrada, vencer batalhas,  ultrapassar os obstáculos; não permita que Ciclopes atravessem o seu caminho, derrote-os, lute. Se cair no caminho; levante, mas prossiga, não pare nunca. Se você achar que a caminhada é demorada, não tente  abreviá-la,  não procure desvios, os desvios, as vezes tornam o caminho mais longo e mais perigoso, você pode ter surpresas desagradáveis se tentar encurtar o caminho através deles. Só se alcança Ítaca no momento certo, ela vai tá sempre te esperando de braços abertos, torcendo, te ajudando a encontrar os melhores  meios de alcança-la, quanto maior a caminhada para Ítaca, maior o prazer de nela chegar.
Pois é; não gosto de livros de autoajuda, não sou adepta dos livros escritos por psicológos, por muitos que querem ganhar dinheiro tentando modificar o seu ser. Alguns, entretanto, fazem-nos refletir um pouco, abre-nos os olhos  para pensarmos em nós mesmos. Quando  pensamos em nós mesmos, nestes momentos de autoreflexão, podemos encontrar muitas respostas e muitas alternativas para os caminhos que podemos trilhar, para alcançarmos as nossas “Ítacas”; mas se você não é adepto do silêncio, da interiorização, da busca do seu próprio “eu”, ao menos leia o poema abaixo e veja  se ele pode, de alguma maneira, te ajudar; é de um poeta Grego que se chama Konstantinos Kavafis.( tradução de João Paulo Paes)

ÍTACA

Se partires um dia rumo a Ítaca
faz votos que o caminho seja longo,
repleto de aventuras, repleto de saber.
Nm Lestrigões nem os Ciclopes
nem o colérico Posídon te intimidem
eles no teu caminho jamais encontrarás
se altivo for teu pensamento, se sutil
emoção teu corpo e teu espírito tocar.
Nem Lestrigões nem os Ciclopes,
Nem o brávio Posídon hás de ver
se tu não os levares dentro da alma
se tua alma não os puser dentro de ti.
Faz votosque o caminho seja longo.
Numerosas serão as manhãs de verão
nas quais, com que prazer, com que alegria,
tu hás de entrar pela primeira vez um porto
para correr as lojas dos fenícios
e belas mercancias adquirir:
madrepérolas, corais, âmbar,ébanos,
e perfumes sensuaisde todas as espécies.
A muitas cidades do Egito peregrina
para aprender, para aprender dos doutos.
Tem todo o tempo Ítaca na mente.
Estás predestinado a ali chegar
Mas não apresses a viagem nunca.
Melhor muitos anos levares de jornada
e fundeares na ilha velho enfim,
rico de quanto ganhaste no caminho,
sem esperar riquezas que Ítaca te desse
Uma bela viagem deu-te Ítaca
Sem ela não te ponhas a caminho
Mais de que isto não lhe cumpre dar-te
Ítaca não te iludiu, se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência
E agora sabes o que significam Ítacas”

Lute, pois, remova tudo que não prestar em sua vida, caia, levante, conheça, examine,  nunca desista de seus sonhos esteja com eles sempre na sua mente, viva, tudo vale a pena para alcançarmos as nossas “Itacas”. Eu ja alcancei várias, mas continuo na tentativa de alcançar outras com a certeza de que vou conseguir sempre.