quarta-feira, 21 de março de 2012

Para a próxima semana santa

Uma nova semana santa se aproxima; que tal fazer um bacalhau?


Vou dizer-lhes duas maneiras de fazê-lo: uma para quem tem mais dinheiro, outra para quem tem pouco, ambas com resultados fenomenais para os amantes deste peixe. Primeiro vamos  à de “pobre”. Esta é a receita de Lula Santa Rita, meu tio, em tempos de vacas magricelas na Cidade  Nova.
Compre aquele bacalhau fininho, aquele  bem  salgado mesmo que vende em qualquer  buteco de esquina, antigamente era assim, qualquer  buraco voce encontrava este bacalhau, bom mas isto não vem ao caso.
Pegue o bacalhau fininhoe tire o sal, não deixe ele muito tempo na a´gua, porque ele se desmancha, não se preocupe se ele ficar salgado.
Coloque  o bicho inteiro em um fogareiro, quando falo fogareiro é porque tem de ser na brasa. Bote o miserável em uma grelha para ele nao correr o risco, outra vez, de desintegrar-se. Quando estiver  assado tanto de um lado quanto de outro, (não se preocupe se ficar  preto quase queimado em alguns lugares), tire e desfie. Aqui você tem duas opções: ou você faz  uma farofia com as lascas, tendo o cuidado de antes  dar uma sova nelas em um pilão, ou então, envolvidas  em um pano fino, tenha certeza que fica uma delicia, ou então vá para a salada, ou se quiser, faça os dois dependendo da quantidade de bacalhau que tiver.
A salada leva: cebola, pimentão, tomate, azeitonas e coentros, tudo cortado em cubinhos, o coentro pinicado, muito azeite de oliva. Não esqueça da cerveja bem gelada, é um senhor acompanhamento para este bacalhau, que serve tanto de “tira gosto” como de refeição completa, pois você pode comê-lo com arroz. A farofia é feita com azeite de oliva, aquantidade é você quem dosa: se quiser ela bem moilhada  muito azeite, mais seca, menos azeite.
Ah! como a semana é santa, que tal  um bom vinho para acompanhar a farra?
Agora a outra, dizem que é a Gomes de Sá, para mim é o que faço realmente por  ter aprendido com a  minha mãe, sem qualquer identidade, embora com a Senhora  Consuelo querendo se apropriar da “receita de família”, não vai conseguir porque não tem a manha.
Ingredientes –Bacalhau, Batatas, Alho, Cebolas, Azeite, folhas de louro(quatro ou cinco) se quiser, ovos e azeitonas pretas
Comece por demolhar o bacalhau(tirar o sal e fazê-lo crescer)em Portugal cresce mesmo, é impressionante.Não vou dizer  quanto voce deve colocar de bacalhau porque vai depender de sua  condição financeira e da quantidade de pessoas; não seja sovina, o  prato nao merece isto.
Desfie o bacalhau em lascas grandes; se você comprou do bom ele pode ser  tirado em conchas.
Corte, se for para 1 Kg de bacalhau, duas a três cebolas médias, em rodelas bem finas, tendo o cuidado de desfazer  as rodelas. Faça o mesmo com quatro ou cinco batats  médias(as rodelas devem ficar  mais ou menos finas), e com cinco ou seis dentes de alhos grandes.
Para um kg de bacalhau utilize um pirex médio:
Preparação:
Coloque no fundo  do pirex uma boa dose de azeite e jogue um pouco do alho; coloque uma camada do bacalhau, depois uma camada de batatas, por fim uma de cebola(siga esta ordem) não altere as camadas, porque  a cebola solta água e ajuda no cozimento das batatas. Coloque  mais alho, duas folhas de louro, azeitonas (sem caroço), aqui você pode colocar, dependendo do sal do bacalhau, um poucode sal, mas dissolva em um pouquinho mínimo de água e distribua por todo o prato, regue com muito azeite, não tenha qualquer pena do miserável.
Recomece as camadas:  bacalhau, batatas, alho, cebola, o louro. Se você  quiser usar ovos eles vão entrar agora, logicamente depois de cozidos e fatiados. Reque  generosamente com azeite.  Coloque no forno médio e  quando você enfiar o garfo na batata e ela estiver cozida, o bacalhau está bom. O cheiro é extraordinário quando começa a fervura no forno, todos os seus vizinhos  vão sentir o cheiro, os mais intimos são capazes de ir ter com você para lhe pedir um pouquinho.
Se o pirex for fundo, e se ainda tiver  os ingredientes, pode  colocar outra camada.




Bom Apetite,boa Páscoa e não esqueçam do vinho e do pão.    








   

terça-feira, 20 de março de 2012

Liberdade e Prisão: só uma questão de abrir e fechar portas


  “Quando fores orar, entre no teu quarto, fecha a porta e ores a teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê o escondido te recompensará”.( Mt. 6, 6)
Não sou católica praticante, acredito em Deus como força superior  universal, não como o Salvador que se materializou no seu filho para  vir ao mundo e fazer todas as coisas que  dizem que ele fez, aliás, gosto mesmo é da parte  da transformação da água em  vinho, mas  a citação acima me faz pensar e muito.
Primeiro e exatamente porque nos remete à meditação. O que é orar senão meditar a respeito da própria vida, solicitar ajuda para nossos problemas e para os dos demais? E como podemos meditar se não estivermos em completa sintonia consigo próprio, o que só se consegue com o silêncio, que possibilita  uma  interiorização de nós mesmos?
Para orar, meditar, encontrar soluções, é necessário que nos recolhamos, saíamos  do ambiente em que estamos, fiquemos sós.
Pois é, para encontramos soluções precisamos, primeiro abrir a nossa porta de entrada de amor,  e depois fechar a porta do nosso quarto para que ninguém possa incomodar este momento tão nosso, que não pode realmente ser partilhado com ninguem, a não ser com o cosmos, com o universo, enfim, com Deus, Gilberto Gil já ensinou isto.
Talvez por isso mesmo, por sempre procurar o caminho para abrir a minha porta e isolar-me dentro do meu quarto e conversar com Deus, é que fico inebriada com portas, as portas materiais, aquelas que servem de entrada e saída, de segurança e proteção, de liberdade ou prisão, de fechamento ou de abertura, portas enfim, cumprindo a sua própria função.
Por olhar as portas desta maneira é que bem as observo e agora, quando as portas da velhice se abrem para mim, tenho que encontrar saída para uma realidade que se apresenta não muito promissora, e resolvi  dar mais atenção às portas, até o ponto de  fotografá-las.
Faço isto aqui em Lisboa, porque aqui tenho como estar sozinha andando pelos becos e ruas, escadinhas sujas,lugares pouco recomendáveis pelos da terra, mas que eu, como daqui não sou, posso me aventurar a andar por eles sem sofrer qualquer tipo de discriminação dos meus congêneres; quando muito pensam que sou alguma turista louca, excêntrica, sei lá o que. 
Porta na Baixa de Lisboa
 Vi  mesmo muitas portas! Ah! Como  elas podem nos dizer coisas, até mesmo  falar das pessoas  que estão por detrás delas, ou que passam por elas, seja entrando ou saindo.
Lisboa- Sta Apolonia
Há portas pequenas, baixas, grandes, de ferro, de madeira, de vidros, de  bronze, de correr, de levantar. Portas  poderosas, potentes que nos dão a certeza do que por detrás dela acontece, pode acontecer, ou mesmo, já aconteceu. Há  portas abertas, entreabertas, fechadas, hermeticamente fechadas, trancadas, novas, antigas, destruídas. Alguns estão fechadas e guardam, decididamente nada, apenas fantasmas dos que ali já viveram. Há muitas destas em Lisboa, casas antigas e velhas, lindas, mas que estão fechadas por diversos motivos, um deles, talvez  o mais comum, heranças em processos judiciais, brigas entre familiares que ja estiveram atrás daquelas portas, e sei lá o que fizeram para elas se fecharem desta maneira em questões mal resolvidas, ficam ali a demonstrar, materialemente, o que os espiritos daqueles que ali viveram  sentem em relação a tanta confusão. Outras, e também um grande número delas,  guardam  dívidas dos seus proprietários para com o Estado, que recebe a  casa como pagamento delas, mas deixa que ela  sucumba com toda a sua história através das portas fechadas que impedem que ali tenha algum tipo de vida, a não ser das ratazanas que passeiam livres pelo seu interior, quando  ainda encontram algum tipo de alimento.
Todavia, não há só portas que guardam tristezas, embora fechadas elas  são alegres  por natureza, são portas pequeninas, que se abrem em dias de festas  no bairro, que se abrem para que os habitantes da casa que resguardam possam sair e viver, portas que se abrem, tanto para  permitir que os seus donos saiam quanto entrem, saim para procurar a felicidade e retornem com elas. Dão, todos os dias a chance de que aquelas pessoas que por ela passam sejam felizes e livres. Elas falam por si, são coloridas, tem aberturas para cartas, tem uma maozinha para anunciarem um visitante, ou talvez um cobrador inconveniente, muitas estão pintadas de verdes,  para demonstrarem o quanto de esperança transmitem quando se abrem ou se fecham.
Tem portas imensas, guardadas por seguranças: Ah estas portas! O que elas podem esconder? O que elas não permitem que passe para fora? Corrupção, falcatruas, mortes,? Será que por isso mesmo é que são guardadas tão fortemente? E as portas das cadeias? Estas que asseguram o bem estar da população, aparentemente livres dos que, agora, não tem liberdade.
Portas  outras, imponentes, guardam o saber, estas são efetivamente lindas, trabalhadas, fortes, áusteras, mas metem medo aos neófitos que por elas passam pela primeira vez; depois eles se acostumama e já nem ligam mais para a sua imponência; se estiverem fechadas até se recostam nela, lógico que pela segurança própria que elas lhe dão. Agora que  ultrapassarm uma das barreiras do saber podem se dar a este luxo, de nelas encostarem-se e até mesmo  refestelarem-se.
Porta Igreja de N.Sra. Fátima-Pt.
Igreja N.S. da Boa Viagem-Ba

Portas de Igrejas:, ah estas portas! Primeiro deveriam estar sempre abertas, mas não estão: as vêzes estão fechadas  nas horas em que mais se precisa que elas estejam abertas. Descobri que santo também tem hora de almoço, e, ao menos aqui, algumas igrejas fecham  para almoço, só falta colocar um plaquinha. Todavia, no Bonfim também é assim, já cheguei lá na hora do almoço e foi uma merda, pois se esperar  gente de carne e osso comer já é  difícil, imagine  esperar que santos, que tem  Jesus para  estar sempre multiplicando, seja pão, seja peixe e ainda  transformar água em vinho, acabarem de almoçar, almoço que pode se prolongar e  ajantarar-se, virando uma uma  comemoração  “vinhobeberição”, e a a gente que fique esperando que eles cansem, se fartem e retornem aos seus postos de trabalho para ouvirem as lamúrias e os pedidos. É melhor mesmo estar alimentado e meio ébrio, a chatice é menor.
A porta da casa da Vera: esta é uma porta particularmente importante; é a porta que me acolhe  aqui em Lisboa, de onde saio para as caminhadas, para as aulas, para as “descobertas”, mas que está sempre disposta a se abrir para o meu retorno. Para que  fique bem trancada ela exige quatro voltas de chave;  não me importo! Dou todas. As vezes  volto da rua para ver se dei  mesmo todas as voltas, embora ela, pelo lado de fora, tenha  um dispositivo máximo de segurança, a chave só sai da fechadura se as voltas estiverem completas.

 Príncipe Real-Lisboa
Aqui tem muitos palacetes,e eu fico olhando as portas, querendo ultrapassá-las para ver o que elas guardam mesmo. Fico imaginando a casa, os cômodos, as pinturas nas paredes. Sou capaz até de  imaginar  os donos; uma senhora  grisalha com "pince nez" e bengala de cabo de marfim, decadente claro, mas ainda pensando  no tempo em que dava ordens, tinha escravos. Todavia, há ainda aquelas que  tem pose, e com pose e posse mesmo. Bom, o fato e que eu queria entrar em todas as duas hipóteses, eu gosto de ver este tipo de coisa.
Porta no Chiado-Lisboa
Outro dia, sem querer, ia passando pelo Chiado e vi um porta aberta, a porta de um palacete; entrei  e, com supresa, vi que ali tinha uma exposiação sobre fotos de Moçambique.Subi  as escadas  e me deparei com uma coisa exraordinariamente linda,  um palacete mesmo, com afrescos em suas paredes, estragados pelo tempo claro, mas ainda visíveis e demonstradores da imponência daquela casa quando ela vibrava. O chão dos diversos salões decorados eram lindos,  pedras formando desenhos  geométricos, mármores de cores variadas, lustres que só de olhar me davam  pavor de pensar  sua limpeza; escadas imensas com  veludos vermelho protegendo degraus e evitando que os passantes escorregassem. A exposição de fotos estava uma merda, mas a casa em si era qualquer coisa, havia muitas portas fechadas,  portas que não me deixaram ver o outro lado.
A porta principal da Sociedade de Geografia de Lisboa; eta porta importante! Porta de acesso ao saber e à imponência de uma época, data de 1875. Quando se adentra àquela porta  parece que voltamos no tempo e no espaço. E muitas outras portas se lhe seguem. A do salão principal do lado esquerdo onde funciona um restaurante; a do primeiro andar  que dá acesso a biblioteca. Portas imensas que demonstram toda a importância do lugar que já comandou uma politica no país,mui principalmente em relação às colônias.
Oura porta que me deu um grande prazer em atravessá-la foi a do Arquivo Histórico do Ultramar.  Poderosa, linda, guardando relíquias e permitindo o acesso a elas.  Há um salão neste arquivo guardado por portas magistrais, que  é qualquer coisa de emocionante, ficamos extasiados diante de tanta pompa e beleza.
Poderia falar de muitas portas,as que conheci, as que não consegui ultrapassar, as que me impediram de realizar sonhos, as que demonstraram as mentiras de muitos, as que esconderam vergonhas, mas um dia ainda falo delas, portas dão muitas e muitas  crônicas.
Estação do Rossio.Lisboa
Portas podem  lhe surpreender verdadeiramente, seja ao serem abertas, seja ao se fecharem: por  exemplo; A porta da  Casa do Alentejo nas Portas de Santo Antão em Lisboa:  você não dá nada por ela, mas se um dia tiver oportunidade, entre, você vai ficar extasiado com o que vai encontrar lá dentro, é de não se acreditar mesmo; a porta da Biblioteca da Faculdadde de Direito de Coimbra( a antiga) deixo de fazer comentários, adentre:  portas da Estação de Campaña no Porto;  porta da Igreja do Sao Francisco em Salvador  da Bahia, da Igreja de São Roque aqui na Trindade-Lisboa; portas da Igreja do Senhor do Bonfim da Bahia; portas da antiga Biblioteca Central de Salvador-Ba., ficava ali no Paço Municipal; portas dos Mercados Municipais ( Sao Paulo; Ribeira-Lisboa, Setubal-Pt, Figueira da Foz-Pt, Barcelona-Es, dentre outros), portas do Palácio da Aclamação em Salvador; portas da estação de comboio de Maputo-Moçambique; há, também, as portas da Estação de Ferro do Rossio- Lisboa, da Alhambra em Granada. A par destas portas públicas, há, ainda, as portas de acesso privado: portas do meu primeiro e único escritório de advocacia; as portas abertas das minhas casas, seja as que perdi, seja a que ainda tenho; portas das diversas varas em que trabalhei, portas das casas de amigos ( Glória e Marcos, Aércia e Lula, Tercinha, Pedro, Angela, Celeste e Jorge,Sonia e Raimundo, Catuama, Maria, Tininho e Marta, Licia e Dorico,Zezé, Tania e Tonino, Val, Lucy, Jaci, Vania, Luciano, Zé, Christiani, Claudia, Vú e Marize): portas da casa da minha avó em Tourón – Pontevedra-Es; são muitas, muitas portas mesmo, cada uma com sua história, com as suas alegrias, com as  minhas saudades.  
Tasca em Guimarães-Pt
Arembepe-Bahia
Pois é, ja atravessei muitas portas, sejam elas portas materializadas ou não, também já encontrei muitas fechadas;  já vi coisas  acontecerem e sem poder impedi-las porque as portas estavam fechadas, também vi coisas  saindo  pela porta da frente sem poder fazer nada para contê-las. Vi gente entrando, vidas passando, vi  gente saindo, passei a vida abrindo e fechando portas, aliás, continuo fazendo isto, seja para dar as boas vindas, seja para demonstrar, quando as fecho, o meu desagrado, mas felizmente, uma certeza eu tenho: ainda tenho muitas portas à abrir, principalmente as portas do saber, estas vão estar  mesmo escancaradas a novos conhecimentos, a novas sensações e emoções, sempre, entretanto, sabendo o momento adequado para  se fecharem e me permitirem  um  isolamento para a conversa com  Deus, para um conhecimento interior, que possa favorecer uma descoberta de uma nova porta aberta em qualquer lugar, que possa trazer mais felicidade a tantos quantos,  juntos a mim, possam estar e se permitam atravessar as portas em qualquer direção.
Abram as  suas portas, pois!

terça-feira, 13 de março de 2012

Uma "boneca" na Justiça

Como sempre, estava na sua sala de trabalho na hora certa, tudo sempre igual no que diz repeito à burocracia, à formalidade  da coisa, no entanto, a cada dia uma surpresa diferente no que diz respeito à variedade dos fatos  que se lhe apresentavam no dia-a-dia.
Tabalhava em uma cidade do interior do Estado, aliás, como sempre aconteceu,passara muito pouco tempo na capital, uma opção necessária.
Nesse dia, ja estava pela  oitava ou nona audiência, não se recorda mais, já lá se vai o tempo.O pregão é feito, as partes,requerente e requerido homens.
Ao pregão respondem: O requerente homem com  seu advogado e o requerido uma mulher inflável. Vocês sabem o que é uma mulher inflável não sabem? Aquelas que aparecem nos panfletos de propagandas de erotismo, ou ainda nos filmes  de sacanagem, enfim, aquelas bonecas infláveis cheias de peito e de bunda.
Pois é, adentra à sala das audiências uma mulher assim. Enorme, deveria ter  1,85 ou mais. Morena, cabelos pretos  bem esticados, tipo  alisados, ou melhor, em tempos atuais, relaxados, cauterizados, sei lá mais o que, muito pretos mesmo, irregular nas pontas. A senhora estava bem pintada; as tetas pareciam querer saltar da abertura da blusa, duas zorras enormes e duras delineadas sob a blusa colada ao corpo. Pernas grossas e musculadas e uma bunda que parecia mesmo estar inflada, duas bandas de bunda que  nem mesmo africanas que tem esta característica teriam, mas, com certeza, invejariam. A impressão que dava é que alguém poderia sentar-se no espaço entre o final das costas e o começo das ancas. A calça, também coladissíma ao corpo, delienava tudo. Sapatos extremamente altos e coloridos, enfim, ali estava uma coisa não identificada.
Aquela mulher inflável entra na sala da audiência e encaminha-se para o local destinado ao reclamado.Não estava acompanhada de advogado e, pedindo licença, acomoda-se na cadeira.
Juiz e  funcionário, o secretario de audiência, entreolham-se.  E o juiz pergunta:
-   Então, onde está o Sr.Antonio?
 Surpresa quase esperada: -  “Eu sou o  Antonio “.
O Juiz, ser humano como outro qualquer, apesar de estar mesmo quase esperando isto, não deixa de se surpreender. Há um constrangimento geral na sala de audiências. O secretário baixa a cabeça, o doutor quer manter-se  na sua seriedade, a outra parte, que possivelmente já sabia da estória  nao tem muita reação, os advogados que estavam na sala retiram-se.
O Juiz tenta  controlar-se e continuar com  aquilo, mas é dificil chamar alguém de Antonio diante de uma mulher, inflável ou não, com peito, bunda, pintura, sapato alto, cabelos longos e trejeitos exageradamente femininos.
Primeira questão:  Olhando para a cara daquela boneca: - “ Como quer que eu o trate,  como senhor ou senhora?”
 -  “Indiferente: a  Excelência é quem sabe”
Resolve chamar mesmo de senhor, porque apesar da aprencia, quem está ali é o Sr Antonio, parte no processo.
Entretanto, as tetas estavam à mostra mesmo, e teria que se dar uma compostura  ao ambiente, porque se ali se tratasse mesmo de uma mulher, ela nem mesmo teria entrado na audiência  daquela maneira,   do lado de fora alguém teria feito a observação em relação ao traje.
- O senhor pode fazer o favor de se compor, isto aqui é um Tribunal, e o seu traje não está adequado ao ambiente”Diz isto, mas por dentro quase se papoca de rir. O secretário de audiência continua de cabeça baixa, mas o balançar dos ombros demonstra o que ele tenta esconder. A situação é mesmo hilária.
Ouve o som do zipper da blusa sendo puxado, a blusa é fechada  até o pescoço, e ai é que os seios ficam mais volumosos ainda adequando-se ao espaço da blusa totalmente fechada.
 - “Há alguma possibilidade de acordo?”
- “Nuuuuuuuuunca! Este senhor nunca trabalhou para mim!”
- “Como é que é? Ele nunca trabalhou para si?”
- “Não. Eu sou “casada” moro na Itália, venho pouquissímas vezes no Brasil. Agora mesmo só vim por causa desta audiência”
Mais controle. O Doutor quase sem coseguir manter a litúrgia obrigatória do cargo, aliás, o que não era uma grande novidade tratando-se desta Excelência:
- “Ah! o senhor é casado e mora na Italia!”
-  “É isto mesmo Excelência:  tenho dez anos na Itália, moro em Milão, sou casada com um engenheiro italiano há sete anos, trabalho lá e só venho ao Brasil em férias. Agora só vim por causa desta audiência. Estou perdendo trabalho e gastando dinheiro”.
A Excelência pede calma, porque  o requerido ou requerida,  está a ficar nervoso(a) e altera a voz,  ficando cada hora mais caricatural.
O Sr, desta vez dirigindo-se ao requerente: -  “trabalhou para este senhor”?
- “Sim, trabalhaei”
- “Onde o senhor  prestava os seus serviços?”
- “Na casa dele em Nazarédas Farinhas”
- “Como é? Onde?”
- “em Nazaré  excelência, ele tem uma casa lá”
- “Sr. Antonio, isto é verdade mesmo? O senhor tem uma casa em Nazaré?”
- “Tenho sim excelência, aliás, quem tem uma casa em Nazaré é a minha mãe, comprei a casa e dei para ela,  ela mora lá”
De novo ao requerente:
- “O senhor trabalha na casa da mãe deste senhor”
- “É isto mesmo, trabalho na casa dele onde a mãe mora”
A Excelência, dada mesmo as práticas trabalhistas, as manhas, as jogadas das partes e de seus  procuradores, já começa mesmo a delinear a siituação, e  vai questionando mais, porque já sente que nao vai valer a pena  começar uma instrução que não vai a lugar nenhum.
- “Sim, o senhor trabalhava na casa dele onde a mãe mora!”
- É isto mesmo, eu trabalhei na casa dele  onde a mãe dele mora?
- “E o senhor  fazia mesmo o que na casa?”
- “Eu fazia tudo, cuidava da casa, do jardim, da mãe dele que ja é uma senhora idosa".
-  “Sim, e quem dava ordens ao senhor”
-  “Ele”
-  “AH! ele é que dava as ordens?  Como ele fazia isto?’”
- “Ora Excelência, me dizendo o que devia fazer!”
- “Sim, mas que hora do dia ele fazia isto? Quantas vezes por dia este senhor mandava o senhor fazer alguma coisa?
- “Na verdade ele mandava que a mãe  me dissesse o que deveria fazer”.
A Excelência percebendo tudo, mas a esta altura querendo ver até onde ia o cinismo daqueles dois, parte e advogado ia chegar...
- “Hum! Então ele mandava que a mãe  mandasse o senhor fazer as coisas?”
Reclamante pensando que a Excelência estava  acreditando e  concordando: -“Isto mesmo Excelência, ele  dizia a mãe o que eu devia fazer e ela repassava a ordem para mim”
- “Ora bem! Este senhor mora com a mãe?”
- “Mora sim”
- “Então o senhor não  viu ele dizer que é “casada” e mora  na Itália?”
- “Ouvi sim”
- “E então, isto é verdade ou não?”
- “Bom Excelência, morar mesmo ele mora com a mãe em Nazaré, mas ele vai a Itália muitas vezes”.
 - “Ah! e quantas vezes ele vai à Itália no ano?”
- “Uma ou duas vezes”
- “ E quanto tempo ele demora por lá?”
- “Tem vezes que passa muito tempo, outras vezes fica pouco”
- “ Sim, este muito tempo é mais ou menos quantos dias, meses?”
- “Não sei dizer Excelência”
- “Agora, quanto tempo tinha que este senhor não vinha em Nazaré”?
-“Não me lembro”
A Excelência começa a ficar um pouco irritada com tanto cinismo, vê o quadro que se segue, sabe perfeitamente o que está ali, diante de si, da Justiça. Sente todo o desrespeito das partes e seus patronos pela Justiça, o descomprometimento  com a seriedade.Como era janeiro e com a proximidade do natal passado, ela pergunta:
- “O Sr. Antonio passou o Natal com a mãe?”
- “Não senhor, ele estava fora”
- “O senhor sabe onde ele estava?
- “ Sim na Itália”
- “E antes do Natal, quanto tempo ele não vinha em casa?
-“ Não me lembro.
A Excelência  queria mesmo ver até onde aquele  "não cidadão" chegaria: por isso retardava a pergunta que acabaria de uma vez com as suas pretensões.A mulher inflável, do outro lado, já com a blusa fechada até o pescoço olhava, agora encantada, para a Excelência que conduzia à audiência, já tinha percebido, também, o que iria acontecer e o que a excelência estava a fazer.
-“Senhor  José, quantas vezes este senhor que aqui está lhe pagou salário?”
- “Sempre doutora, quem me pagou salário sempre foi ele”
- “Quando ele estava na Itália, quem lhe pagava o salário, estou falando quem lhe entregava o dinheiro’”
“A mãe dele”
- “Ah, a mãe dele! Mas o senhor não se lembra quantas vezes este rapaz, pessoalmente, lhe pagou salário?”
- “Ele, pessoalmente,  nunca me pagou, ele mandava o dinheiro para a mãe e ela me pagava.
- “Muito bem! Quando o senhor começou a trabalhar na casa da mãe deste senhor, ele estava aqui ou na Itália?”
- “Ele estava na Itália, mas mandou a mãe dele me contratar”
- “Ah foi assim! E quanto tempo depois que o senhor trabalhava com a mãe dele ele esteve  em casa”?
“Não me lembro!”
- “ O Senhor trabalhou quanto tempo mesmo?”
“Um ano”
“ E durante este ano, quantas vezes este senhor esteve em Nazaré?”
“ -Não me lembro.
- “Senhor José, o senhor não tem vergonha não? O Senhor esta pensando o que? Acha que isto aqui é uma brincadeira? Que  a Justiça pode perder tempo  desta maneira. Faça o favor de falar a verdade. O senhor disse que tem um ano que trabalha para a mãe dele, que este senhor vai a Itália duas a três vezes por ano, e não sabe dizer, agora, quantas vezes, neste ano que o senhor trabalhou na casa dele,  ele viajou e retornou? Responda, por favor: Quntas vezes, durante este ano que  senhor trabalhou na casa da mãe dele, ele esteve aqui, em Nazaré”?
O  advogado do reclamante começa a impacientar-se, ele sabe que o seu cliente está mentindo, que ele estava patrocinando uma grande aventura, que ele percebia  ia rolando água abaixo.
- “Excelência estás a ofender o meu cliente!”
-“Oh! é mesmo doutor? O senhor vai fazer o que’?” Então é a Justiça que esta ofendendo esta inofensiva parte? Ta muito bem!”
Vira-se para o reclamante novamente: - “Quando o senhor foi acertar o trabalho o senhor falou com quem?”
- “Com a mãe dele”
“ - Quem lhedisse quanto ia ser o salário”?
- “A mãe dele.
- “ Quem lhe disse o que o senhor teria de fazer?
- “A mãe dele.
- “Quem todos os meses lhe pagava o salário?”
- “ A mãe dele, mas ele é quem mandava o dinheiro”.
- “Não lhe perguntei isto! Limite-se a responder às minhas perguntas.
- “Quem mandou o senhor embora?”
-  “A mãe dele”.
- “De onde o senhor conhece o Sr. Antonio?”
- “De Nazaré, todo mundo conhece ele por lá”.
- “Muito bem senhor: Doutor o senhor não quer sugerir ao seu cliente pedir a desistência da ação e entrar com outro processo contra a parte correta?
O advogado fala com o cliente.
- “Sim Excelência,  nós desistimos da ação.       
 Do outro lado a “boneca inflável sorri”. Levanta-se, estende a mão para a Excelência e diz: “ Vou dizer, na Itália, a todos que conhecer, que aqui existe uma Excelência  da maior qualidade possível; que neste  Brasil tem Justiça. A Excelência está de parabéns.
Viu só! Até mesmo bonecas infláveis reconhecem  quando alguém cumpre, e bem, o seu dever.